Correio Braziliense, n. 21778, 01/11/2022. Política, p. 2

PT abre diálogo para a transição de governo.

Vinicius Doria


Eleito presidente da República com 50,9% dos votos, Luiz Inácio Lula da Silva vira a página da disputa eleitoral e começa a planejar o governo que herdará a partir de janeiro. Sai a equipe de campanha, entra o time da transição. O presidente Jair Bolsonaro se mantém em silêncio desde o fim da apuração dos votos, no domingo, mas o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), recebeu, ontem, um telefonema de um dos coordenadores da campanha petista, o prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT-SP), para uma primeira conversa sobre a transição. Em nota, Edinho Silva informou que ligou para Nogueira “a pedido do próprio” e que ele se dispôs a conduzir o processo de diálogo do governo Bolsonaro com a equipe de Lula.

“De imediato, repassei a informação para a deputada federal Gleisi Hoffmann, nossa coordenadora da campanha Lula presidente, para que os encaminhamentos necessários fossem combinados. Ressalto aqui a postura republicana e democrática do ministro Ciro Nogueira”, declarou o prefeito. A expectativa é de que da conversa entre Hoffmann e Nogueira saiam os nomes que atuarão no gabinete da transição.

A passagem de bastão de um governo para outro está prevista em lei de 2002, regulamentada por um decreto presidencial de 2010, que elenca as regras para que o time do presidente eleito possa ter acesso a informações do governo que se despede e as condições de trabalho para funcionar, como espaços físicos, cargos e estrutura de comunicação.

Paralelamente, Lula já está escalando interlocutores para conversar com lideranças no Congresso, a começar pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), visando a construção de uma pauta mínima de consenso que possa ser aprovada com rapidez nas primeiras semanas da nova legislatura, cuja prioridade é a adequação do Orçamento do ano que vem às demandas do governo eleito (leia na página 3).

O nome mais cotado para pilotar o governo de transição é o do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, um político experiente, com ótimo trânsito entre as forças políticas de centro que se aliaram à campanha de Lula no decorrer do processo eleitoral. O coordenador do programa de governo petista, o ex-ministro Aloísio Mercadante, também terá papel de comando no gabinete provisório.

Para o coordenador da campanha de Lula no Distrito Federal, o ex-deputado Geraldo Magela, a transição se dará por duas vias: a técnica, que cuidará da análise e do diagnóstico das contas e políticas públicas do atual governo, e a política, responsável pela formação da equipe ministerial e da interlocução com o Legislativo.

“É preciso que o governo Bolsonaro abra suas portas para permitir que a transição seja feita tecnicamente, que todos os dados sejam liberados e, politicamente, Lula vai cuidar de como compôr o governo e como restabelecer as pontes com os segmentos que ficaram, neste momento, conflitados”, declarou Magela em entrevista ao CB.Poder (leia mais na página 13).

Livre acesso

Conforme a lei, a equipe de transição “tem por objetivo inteirar-se do funcionamento dos órgãos e entidades que compõem a Administração Pública federal e preparar os atos de iniciativa do novo presidente da República, a serem editados imediatamente após a posse”, entre outras prerrogativas. O livre acesso aos dados do governo, incluindo os considerados sensíveis, estratégicos e sigilosos, também está assegurado na lei, com obrigação de “manter sigilo dos dados e informações confidenciais a que tiverem acesso, sob pena de responsabilização”.

Pelo lado do Palácio do Planalto, o processo deve ser coordenado pela Casa Civil, ocupada por Ciro Nogueira (PP-PI), um dos líderes do Centrão e responsável pela articulação política de Bolsonaro. A primeira medida administrativa será a criação de 50 cargos comissionados para abrigar a equipe do futuro governo. Esses cargos serão extintos em até 10 dias após a posse de Lula. Para o governo que sai, um dos objetivos desse diálogo é listar as políticas públicas que estão em andamento para evitar solução de continuidade a partir de janeiro.

O histórico das mudanças de comando no Brasil pós-redemocratização não tem registro de problemas na relação entre o governo que entra e o que sai. O primeiro gabinete formal de transição foi criado após a vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2002, quando o petista derrotou o candidato do PSDB José Serra. O então presidente Fernando Henrique Cardoso não só sancionou a legislação que rege o processo como facilitou o acesso a informações do governo e trabalhou para minimizar a desconfiança internacional que pairava sobre o país após a vitória do candidato de esquerda.

Com a eleição de Dilma Rousseff, em 2010, a transição foi interna, quase uma continuidade da estrutura montada nos oito anos em que Lula ocupou o Palácio do Planalto. Com o impeachment da presidente, em 2016, o cargo passou para o vice, Michel Temer (MDB-SP), que também patrocinou uma troca de bastão tranquila para o vencedor das eleições de 2018: Bolsonaro.

Desta vez, poucos apostam, porém, em uma troca de guarda serena. Até agora, Bolsonaro não deu sinais sobre a instalação formal do gabinete provisório nem quem pretende escalar para fazer a interlocução com a equipe de Lula. Como o processo é regido por lei, há a possibilidade de o Judiciário ser acionado para assegurar acesso aos dados de governo.

 

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