Correio Braziliense, n. 21776, 30/10/2022. Política, p. 2
O futuro em jogo
Victor Correia
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chega hoje ao segundo turno novamente na posição de favorito, que ocupou durante todo o período eleitoral. Porém, diferentemente do primeiro turno, o candidato tem uma margem apertada, enquanto o presidente Jair Bolsonaro (PL), mesmo em desvantagem, tem chances reais de virar a disputa. As pesquisas mais recentes divulgadas mostram ambos dentro da zona do empate técnico, na margem de erro dos levantamentos. Na última semana da corrida, o otimismo presente na primeira votação, com a expectativa de liquidar a fatura ainda no começo de outubro, transformou-se em um esforço na campanha para conquistar os indecisos e reduzir a abstenção.
O debate de sexta-feira, na TV Globo, por sua vez, apresentou o petista bem preparado, com bom controle de seu tempo de fala e respostas afiadas contra os ataques de Bolsonaro, que miraram especialmente os escândalos de corrupção dos governos petistas. Lula conseguiu emplacar temas sensíveis ao atual governo no confronto. “Durante quatro anos, esse homem governou o país e não deu 1% de aumento no salário mínimo”, disse, aproveitando uma fala do ministro da Economia, Paulo Guedes, que preocupou a campanha do mandatário durante a semana.
Com audiência que bateu a casa dos milhões de espectadores, o embate de anteontem foi tratado como ponto crucial para Lula. O petista foi orientado a responder de forma mais combativa às provocações, manter a calma e ficar de olho no tempo. Tais fatores foram avaliados como fraquezas no seu desempenho nos debates anteriores, que deixaram sua campanha insatisfeita.
Os principais alvos na campanha durante a reta final foram a redução da abstenção e o público evangélico. Na segunda-feira, o grupo Fraternidade do Evangelho divulgou uma carta de apoio ao petista. Outra estratégia foi a criação da Central Evangélicos com Lula, uma plataforma no WhatsApp destinada a combater fake news e esclarecer as propostas do ex-presidente. Segundo a campanha, foram realizados mais de 2 mil atendimentos por dia.
Outra mudança recente que chamou atenção foi o detalhamento maior do que Lula pretende fazer na área econômica caso eleito. O candidato é criticado por ter um programa de governo vago e defender medidas que preocupam o mercado, como o fim do teto de gastos. O tema se tornou mais presente nas últimas declarações de Lula, que disse que escolherá alguém com “responsabilidade fiscal e social” para chefiar a pasta da Economia.
Na quinta-feira, a apenas três dias do pleito, o petista divulgou uma carta na qual assume os compromissos que fez com lideranças políticas como Simone Tebet e Marina Silva e, principalmente, promete uma política fiscal que siga “regras claras e realistas, com compromissos plurianuais, compatíveis com o enfrentamento da emergência social que vivemos e com a necessidade de reativar o investimento público e privado para arrancar o país da estagnação”. O aceno foi visto com bons olhos pelo mercado, mas ainda é considerado vago em suas propostas.
Margem estreita
Lula também foi beneficiado por uma sequência de deslizes cometidos por Bolsonaro na semana final. Um deles foi o vazamento do plano do Ministério da Economia para desindexar o salário mínimo, aposentadorias e outros benefícios da inflação. A campanha petista foi rápida em partir para o ataque e acusar Bolsonaro de tentar diminuir o salário mínimo, obrigando o ministro Paulo Guedes e o próprio presidente a ter que rebater as acusações durante a semana, prometendo até aumento real, acima da inflação, para o salário mínimo.
Após o revés sofrido pelo ataque de Roberto Jefferson — aliado do mandatário — a policiais federais com tiros e granadas, a campanha de Bolsonaro emplacou a acusação de que rádios do Nordeste teriam veiculado menos inserções suas do que de Lula. A manobra conseguiu desviar o foco de Jefferson, mas foi contestada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que determinou que as informações apresentadas por Bolsonaro não provaram a alegação, e pelas próprias rádios citadas em documento do PL.
Lula chega ao segundo turno novamente como favorito, mas com uma margem muito mais estreita de Bolsonaro do que gostaria. O mandatário ainda tem chances de virar a situação nas urnas, porém não conseguiu a “bala de prata” que buscava durante a semana, e ficou relegado a apagar incêndios. O petista, caso vença, terá o desafio de se articular para agradar tanto sua base de esquerda quanto os apoiadores de centro-direita que conseguiu agregar para o seu time. Além disso, terá que negociar com os apoiadores mais radicais de Bolsonaro que conseguiram se eleger no Parlamento e nos estados.
Crença na virada
INGRID SOARES
O presidente e candidato Jair Bolsonaro (PL) chegou ao final da campanha eleitoral fiel ao estilo adotado desde o começo da gestão: ladeado de polêmicas, ataques ao Judiciário e questionando o sistema eleitoral. Nas primeiras semanas pós-primeiro turno, o chefe do Executivo recebeu apoios importantes de governadores como o reeleito de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), estado chave para a reeleição no qual foi derrotado na primeira rodada das eleições pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ontem (29) a capital mineira Belo Horizonte, foi escolhida por ele para sua última motociata antes das eleições.
A campanha investiu ainda no apoio de prefeitos e vereadores de várias regiões do país, além do engajamento de artistas da música sertaneja, jogadores de futebol e atletas do MMA. Apesar de pesquisas mostrarem Lula na liderança da intenção de votos, o cenário ainda é de indefinição.
Na tentativa de conquistar o eleitorado mais pobre, Bolsonaro seguiu fazendo uso da máquina pública com pacotes de bondades, como o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600, empréstimo consignado e, em nova ofensiva ao voto feminino, 13º para 17 milhões de mulheres chefes de família a partir de 2023. No último debate presidencial, na TV Globo, prometeu reajustar o salário mínimo para R$ 1,4 mil no próximo ano, apesar de a medida não estar prevista no Orçamento de 2023 enviado pelo governo ao Congresso.
Bolsonaro concentrou viagens nas regiões Sudeste, onde estão os três maiores colégios eleitorais do país, e Nordeste, conhecido reduto petista, em busca de quem não votou nele (ou em ninguém) no primeiro turno. Isso porque 32,7 milhões de eleitores não compareceram às urnas, público que representa quase 21% do eleitorado.
Na reta final, o chefe do Executivo sofreu reveses diante de declarações sobre adolescentes venezuelanas refugiadas em Brasília, com a frase infeliz do “pintou um clima”. O caso foi seguido dos ataques do aliado, o presidente de honra do PTB, Roberto Jefferson, à ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia. Ao ter a prisão domiciliar revogada, o ex-deputado recebeu a Polícia Federal com tiros de fuzil e granadas. Depois do episódio, Bolsonaro tentou se desvincular de Jefferson. Deixou o ex-aliado pelo meio do caminho ao se referir a ele como “bandido” e “criminoso”. Outra notícia que integrantes da campanha e do governo tentaram contra atacar durante a semana foram as críticas à ideia do Ministério da Economia de deixar de corrigir o salário mínimo e a aposentadoria pela inflação passada.
Rádios e Michelle
Em outra frente, o presidente contou com o apoio da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, na tentativa de vencer a rejeição feminina. Se no começo da campanha ela adotava uma postura mais discreta, na segunda parte das eleições, assumiu papel de destaque participando de caravanas e pregando contra o PT. Michele ajudou a alimentar a “guerra santa” contra Lula.
Na semana final, a campanha do presidente denunciou supostas irregularidades em inserções de propagandas eleitorais em emissoras de rádio. O QG bolsonarista ingressou com uma petição junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O ministro Alexandre de Moraes encontrou inconsistências no relatório, abriu processo contra a campanha e extinguiu o pedido ao apontar uma eventual tentativa de tumultuar as eleições. Bolsonaro subiu o tom contra a corte e disse que iria “às últimas consequências” para recorrer sobre a denúncia. Ao longo de sua gestão, Bolsonaro tem lançado dúvidas sobre a lisura do sistema eleitoral (leia na página 4). Após o debate na TV Globo, porém, o presidente afirmou que respeitará o resultado das eleições. “Quem tiver mais votos assume o governo”, disse. “Não há a menor dúvida: quem tiver mais votos leva, isso que é democracia”, declarou.
Na visão de André César, cientista político, sócio da Hold Assessoria, caso ocorra a vitória de Lula, há chances de um “terceiro turno” ao estilo Aécio Neves (PSDB/MG) em 2014, desembocando em uma longa e tensa transição.
“O resultado nas urnas será acirrado. Se Lula ganhar, essa transição não será fácil. As duas primeiras semanas após o primeiro turno refletiram o bom humor da campanha do presidente, mas o ponto de inversão foi a polêmica com as venezuelanas. No caso das inserções, o objetivo era pedir o adiamento das eleições, mas não teve apoio de ninguém”, disse o analista.
Ele também observa o peso suplementar das redes sociais nas campanhas. “Elas, que tiveram grande importância ao longo de todo governo do presidente Bolsonaro, no processo sucessório se tornaram fundamentais e representam agora o diferencial para o êxito do vencedor, seja Lula ou Bolsonaro. Isso explica a renovada preocupação do TSE com as redes.”