O Globo, n. 32576, 15/10/2022. Rio, p. 27

Uma síntese do Brasil

Carmélio Dias


Concebido como parte das celebrações pelo centenário da Independência, em 1922, o Museu Histórico Nacional (MHN) completou esta semana 100 anos de abertura das primeiras galerias ao público, no dia 12 de outubro daquele ano. Dedicada a contar a história do Brasil desde antes da chegada dos portugueses a essas terras, a instituição guarda mais de 300 mil itens em seu acervo, entre os quais a mesa em que foi assinada a Constituição de 1891, a primeira da República brasileira.

A coleção do MHN, que recebeu a visita de 20 mil pessoas no primeiro semestre deste ano, é composta ainda por moedas e fotografias antigas, pinturas, esculturas, livros raros, canhões imponentes, carros e carruagens que mexem com o imaginário dos visitantes. Mas isso não é tudo. Estão em exibição também objetos simples do dia a dia de todos os brasileiros, desde um singelo basculante, característico de construções populares país afora, passando por utensílios de uso doméstico e de caráter religioso, comuns no cotidiano, mas que expostos no contexto do museu ganham a dimensão de itens fundamentais na formação de nossa identidade como povo.

— Estamos buscando criar novas conexões com a sociedade para que, nos próximos anos, o museu reflita em suas atividades a diversidade, a pluralidade do povo brasileiro e as diferentes formas de contar sua própria história — analisa Fernanda Castro, diretora substituta do MHN.

As comemorações do centenário começaram em maio, quando foi aberta a exposição Rio-1922 com cerca de 100 itens do acervo que juntos criam um panorama de como era a vida na cidade à época da inauguração. A mostra, que segue em cartaz até dezembro, é dividida em quatro módulos, um dos quais dedicado à Exposição Internacional Comemorativa do Centenário da Independência, evento intimamente ligado à própria criação do MHN.

Para realizar a Exposição Internacional, o local conhecido como complexo do Calabouço, no Centro do Rio — que abrigou uma série de instalações militares desde os primeiros anos do século XVII e teria sido palco do esquartejamento de Tiradentes — foi aterrado e reurbanizado para receber o Palácio das Grandes Indústrias, um dos pavilhões mais visitados do evento, e as duas primeiras galerias do Museu, que havia sido criado por decreto do então presidente Epitácio Pessoa pouco mais de dois meses antes da abertura ao público.

Com o tempo, o MHN passou a ocupar todo o complexo arquitetônico do Calabouço. São quase 20 mil metros quadrados que um dia já sediaram a fortaleza de Santiago (1603) e a prisão do Calabouço (1693), das quais restam apenas as fundações; a antiga Casa do Trem (1762), que guardava o “trem de artilharia” (armas e munições) da Coroa e foi restaurada ao seu aspecto original na década de 1990; o prédio do Arsenal de Guerra (1764) e o próprio Palácio das Grandes Indústrias (1922), onde atualmente funciona a biblioteca do MHN com seus 65 mil livros e outras publicações.

É ali que trabalha a bibliotecária Eliane Vieira da Silva, de 66 anos. Funcionária há 39 anos, ela não esconde o brilho nos olhos na hora de falar sobre a instituição.

— Museu é sedução, ele te envolve e você quer cada vez saber mais, perguntar mais, descobrir mais. É um local de diálogos. A arquitetura conversa com os objetos que por sua vez conversam com os costumes e com a história das pessoas, está tudo de alguma forma interligado. Museu não é lugar de coisa velha, esse conceito é que está velho. Museu é lugar de memória e construção do futuro — acredita Eliane.

Objetos que contam as histórias do Brasil

A celebração do centenário do Museu Histórico Nacional vai continuar até o final do ano. Está previsto para dezembro o lançamento do livro Histórias do Brasil em 100 objetos que reunirá cem autores convidados a escrever sobre preciosidades do acervo que ajudam a contar parte importante da formação do Brasil.

Entre as peças que serão retratadas no livro estão desde aquela mesa onde foi assinada a Constituição de 1891 até o raríssimo automóvel Protos-1908 que pertenceu ao Barão do Rio Branco. Com espaço para seis pessoas e carroceria em madeira é um dos dois últimos carros deste modelo existentes no mundo. Ele faz parte da exposição de longa duração chamada “Do Móvel ao automóvel: transitando pela História", uma das mais populares do museu, que conta com 29 peças entre as quais carruagens, berlindas e cadeirinhas de arruar.

Há um objeto que não estará no livro comemorativo, mas que tem lugar garantido entre os favoritos de um dos funcionários mais antigos do museu. Em março do ano que vem o assistente administrativo Juarez Fonseca Menezes Guerra, de 65 anos, completará quatro décadas dando expediente no MHN, onde começou como monitor, acompanhando grupos de estudantes que visitavam o espaço. Atualmente Juarez está lotado na reserva técnica, onde fica, escondido dos olhos do público, sua peça preferida: um pequeno e pesado canhão La Hitte, de 1883.

— Tenho um carinho especial por esse canhão porque ele foi fabricado neste lugar onde estamos, no século passado, quando aqui funcionava o Arsenal de Guerra — diz Juarez, que de tão apaixonado pelo lugar onde trabalha desde a juventude, chegou a cursar museologia na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).

Os estudantes que o Sr. Juarez recebia quando começou a carreira como monitor do museu, continuam a ser uma presença constante no espaço. O MHN mantém um núcleo de Educação que atende a grupos escolares agendados e visitantes espontâneos com atividades mediadas especiais.

O MHN disponibiliza ainda audioguias em português, inglês e espanhol, além de uma versão visual, em libras. Parte dos itens em exposição possui maquetes táteis com legendas em braile e as áreas de visitação são todas acessíveis a cadeirantes.