Valor Econômico, v. 20, n. 4962, 18/03/2020. Finanças, p. C1

BC enfrenta difícil decisão de juros

Lucas Hirata
Victor Rezende
Adriana Cotias


O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central tem em mãos uma das decisões de juros mais difíceis dos últimos tempos. A rápida deterioração das condições financeiras do país já acirra o debate entre analistas sobre as repercussões de um corte mais agressivo da Selic neste momento - algo que não deve passar despercebido pela autarquia num momento de grave turbulência nos mercados globais.

Grande parte dos agentes defende que o Copom não economize munição e derrube a Selic com força hoje - em até 1 ponto percentual, de 4,25% para 3,25% - para enfrentar os riscos econômicos decorrentes da proliferação do coronavírus. Em queda livre, as projeções para o crescimento no Brasil em 2020 estão abaixo de 1% para algumas instituições, o que justificaria ações adicionais do BC. No entanto, há quem veja essa ação com bastante ressalva, já que poderia resultar em mais instabilidade para os ativos financeiros, com sequelas até para a própria atividade econômica.

O momento de incerteza na economia mostrou reflexos no índice de condições financeiras (FCI) do Goldman Sachs que, no fim da semana passada, atingiu 96,91 pontos, no maior nível desde 22 de julho de 2019, quando estava em 96,93 pontos. Alta no índice indica aperto nas condições, o que aumenta dúvidas sobre os próximos passos do Copom.

Mais conservador que boa parte dos analistas, o economista-chefe da JGP, Fernando Rocha, defende que o Copom decida por um corte pequeno de juros ou até mantenha a Selic no patamar atual. Embora reconheça que é voto vencido hoje, ele alerta que, dado o momento de grandes incertezas nos mercados globais, uma redução mais profunda da taxa básica pode aumentar o prêmio de risco nos juros de longo prazo e pressionar ainda mais o câmbio.

“Isso é bom para a atividade? Não é. A curva de juros inclinada tem um efeito negativo para a atividade, porque as taxas dos empréstimos são formadas pelos juros futuros, não pela Selic”, diz o economista. Além disso, um corte agressivo da Selic pode forçar o BC a vender mais reservas para amenizar a pressão no câmbio. “Eu tenho impressão que o risco de gerar uma instabilidade financeira é maior nesse momento que o ganho potencial para a atividade. ”

Sinal de alerta para parte do mercado, a diferença entre as taxas dos contratos de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2021 e de 2029 - a chamada inclinação da curva a termo - subiu para 4,22 pontos recentemente. O spread entre as duas taxas é bem mais elevado que em 5 de março (3,065 pontos), quando a turbulência se agravou no mercado de juros.

Para Sérgio Machado, sócio-gestor da SF2 Investimentos, uma baixa adicional da Selic pode trazer consequências nefastas para o mercado de capitais e não vai ter os efeitos esperados para a economia. “O sistema está meio lotado de LFT [Letras Financeiras do Tesouro, atreladas à Selic] e não há apetite para carregar papéis pós-fixados. Isso vai começar a gerar pressão vendedora nas posições dos fundos e das tesourarias, e o mercado vai se retroalimentando”, afirma. “Com o tamanho da dívida [pública] atrelada à LFT, o mercado pode encilhar e daí ficar travado. ”

O especialista diz que isso traz preocupações para o mercado de crédito privado, como debêntures ou letras financeiras, que já passaram por um evento de estresse no fim de 2019, com os ativos sendo reprecificados à medida que o corte de juros evoluiu. “Se o gestor tem um título que é o ponto zero da curva de risco e retorno e começa a ficar desconfortável, a curva de juros toda descola. Isso pode gerar um ruído estrutural”, afirma.

A leitura de grande parte do mercado, entretanto, é a de afrouxamento agressivo da política monetária é necessário para enfrentar o risco de recessão. Diversas casas têm feito revisões extremas em seus cenários para o PIB brasileiro neste ano. Entre os casos mais recentes, estão o Credit Suisse, que revisou sua projeção de crescimento de 1,4% para zero, e o Morgan Stanley, que cortou sua estimativa de 1,6% para o,3%.

Para o gestor de renda fixa na Gauss Capital, Carlos Menezes, um corte mais firme na Selic hoje se faz ainda mais necessário em um cenário de restrição fiscal. O ambiente de aperto das condições financeiras, porém, tende a perder força no médio prazo. “Acreditamos que a retomada da economia será um pouco mais lenta do que o esperado pelo mercado e entendemos que a curva tende a ser atrativa no médio, longo prazo”, diz Menezes.

Com uma retomada lenta da economia em mãos, a Gauss passou a esperar um corte de 1 ponto percentual na Selic hoje, com um anúncio concomitante de um programa de venda de reservas para acalmar o câmbio. “Entendemos que um corte adicional forte terá efeito no sentimento no curto prazo e será uma forma de o BC incentivar o mercado e dar algum tipo de liquidez extra. Isso, contudo, terá de ser revertido talvez no início do ano que vem e essa inclinação alta da curva de juros mostra que a Selic não demoraria muito para ser elevada”, diz o gestor da Gauss.

O chefe de pesquisa para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, afirma que a piora recente nas condições financeiras não foi um fenômeno exclusivo do Brasil, mas ressalta que, “se o BC não fizer nada, está validando um aperto possivelmente maior”.

Para ele, um corte mais incisivo na taxa básica de juros não necessariamente faria a inclinação da curva de juros aumentar ainda mais. “Você pode deslocar toda a curva para baixo, a depender do que for comunicado. Além disso, se o BC está diminuindo o custo para as empresas, o risco de insolvência diminui, o que também alivia o aperto nas condições financeiras”, afirma.

Ramos trabalha com cenário de corte de 0,25 ponto percentual da Selic, mas admite que a probabilidade de uma ação maior, de 0,50 ponto, aumentou. No caso de um corte de juros ainda mais potente, avalia que o BC deveria anunciar um programa de venda de reservas de pelo menos US$ 50 bilhões. “Acumulamos reservas para usar em momentos como este. Não consigo imaginar uma ocasião em que as reservas seriam ainda mais necessárias”, afirma.