Valor Econômico, v. 20, n. 4962, 18/03/2020. Finanças, p. C3

‘Mercado está em compasso de espera’

Entrevista:  Ricardo Guimarães, Presidente do banco francês BNP Paribas no Brasil


O paulista Ricardo Guimarães assumiu a presidência do banco francês BNP Paribas no Brasil em meio à pandemia do coronavírus, que segundo o executivo colocou investidores em compasso de espera, devido à reprecificação de ativos em todo o mundo, e já impactou as projeções de crescimento do banco para a economia brasileira neste ano.

“A pandemia do coronavírus colocou o mercado em compasso de espera pelo efeito que teve em preço de ativos - juros, bolsas de valores e moedas - no mundo inteiro. Em um processo iminente de um investimento, será preciso reavaliar à luz das novas condições”, disse Guimarães ao Valor, em sua primeira entrevista desde que assumiu a posição, no dia 1º de março.

Em conversas com os clientes, Guimarães afirmou que percebe um movimento das empresas no dia a dia para conter a transmissão do coronavírus, a partir de cuidados básicos de higiene, implementação do home office e restrição de viagens. Além disso, percebe uma preparação dos times de contingência para não haver descontinuidade dos negócios caso a situação se agrave e seja capaz de interromper a cadeia de fornecedores ou a distribuição de produtos e serviços.

Mais conservador em relação ao crescimento da economia brasileira em 2020, o BNP Paribas havia reduzido a projeção do Produto Interno Bruto (PIB) de 2% para 1,5% em fevereiro, com o avanço da pandemia do coronavírus - agora, já assume rever novamente o número. O gatilho para a primeira revisão foi o fato de o time de China do BNP Paribas ter reduzido a projeção para o PIB do país em 1,3 ponto percentual, para 4,5% neste ano.

“Como a disseminação e o impacto do coronavírus na Europa e nos Estados Unidos cresceram exponencialmente, assim como no Brasil também, provavelmente 1,5% hoje virará teto para crescimento e teremos de inclusive rever esse número”, disse. O cenário também mudou para o juro básico no país. Segundo Guimarães, o BNP Paribas acreditava no início do ano que a Selic ficaria inalterada até meados de 2021, mas no início de março revisou novamente, com a expectativa de um corte de 0,5 ponto já na reunião que termina hoje.

Em relação ao impacto da pandemia na atração de investimentos estrangeiros para o país, o executivo afirmou que dependerá da agenda que o governo conseguirá desenvolver para a oferta de ativos atrativos. “Com o real mais fraco em relação ao dólar, o preço do ativo fica mais barato. Mas muitos projetos têm taxa de retorno em reais, que também será menor”, afirmou.

Joga a favor do Brasil neste momento, de acordo com Guimarães, o fato de ter um governo e um legislativo reformistas, que são viabilizadores de mudanças importantes para o país. “A agenda é positiva, mas o tempo político não se pode controlar. E o timing, em qual trimestre acontecerão as reformas, não é muito relevante no crescimento de longo prazo, diz. 

Há 18 anos no BNP Paribas, desde 2015 como diretor estatutário, Guimarães ocupava a posição de head de global markets para a América Latina antes de ser nomeado o primeiro presidente não francês da operação. Ele substitui Sandrine Ferdane, que deixou o cargo para integrar o comitê executivo do banco de atacado do BNP Paribas, baseada em Paris. Nessa função, a executiva cuidará de clientes como governos, hedge funds e fundos de pensão, por exemplo. Além disso, manterá posição no conselho do banco no Brasil.

Guimarães afirma que a estratégia do banco não muda com a sua chegada: manterá o foco em clientes multinacionais, que no total são 600 grupos com os quais a instituição financeira tem relacionamento. Além disso, trabalhará para consolidar novas áreas como a de cash management, administração de recursos e custódia.

O executivo também está de olho nas oportunidades trazidas com os pagamentos instantâneos, uma vez que poderá conectar a área de cash management ao novo sistema do Banco Central, chamado de PIX. “O processamento de boletos ocorre no expediente bancário, em horário comercial, e ele poderá ser instantâneo, 24 horas por dia, sete dias por semana. Esse é um grande salto para a área de cash management”, diz.

O BNP Paribas quer também estreitar o relacionamento com “fintechs”, a partir da atuação no La Fabrique, um centro de inovação desenvolvido em parceria com outras empresas francesas que têm atuação no Brasil. Segundo Guimarães, o BNP Paribas tem o objetivo de continuar a ter um retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) de 15% a 20% no país, além de um forte crescimento da carteira de crédito, que avançou 30% nos últimos quatro anos.

“Como presidente no Brasil, meu papel é fazer uma melhor interação entre as quatro unidades de negócios - o banco Cetelem, a seguradora Cardif, a empresa de terceirização de frotas Arval e o próprio banco -, encontrando novas oportunidades de negócios para os clientes dessas empresas. ”