Valor Econômico, v. 20, n. 4962, 18/03/2020. Finanças, p. C8

‘Crash’ de 2020 e o Copom

Luiz Eduardo Portella


O ano de 2020 já entrou para a história como o pior “crash” em um curto período de tempo. A queda de 29% da bolsa americana S&P-500 e de 43% do Ibovespa em apenas 21 dias já ultrapassaram o pânico da crise de 1929 (grande depressão) e de 1987 (segunda-feira negra).

Após anos de baixa volatilidade dos principais ativos financeiros, proporcionados por juros baixos e fortes estímulos dos bancos centrais globais, em apenas dias, o índice de volatilidade da bolsa americana (VIX) saiu de 12% ao ano para 82% ao ano, gerando um efeito devastador nos ativos. Ações de grandes empresas caíram 70%.

Proteções tradicionais como compra de ouro e títulos do governo americano também foram liquidadas, aumentando as perdas dos portfólios globais. O coronavírus começou a ser divulgado pela China em janeiro e logo todos começamos a monitorar seus impactos pelo mundo. Rapidamente, as commodities e os países emergentes sofreram grandes perdas com o medo da desaceleração do país chinês.

O fechamento da cidade de Wuhan, que foi o epicentro da crise, e controles de circulação em outras cidades foram efetivos para controlar o avanço dessa forte gripe. Analistas e gestores passaram a monitorar sua curva de contaminação e seu percentual de mortes, para compará-los aos de outras epidemias, como Sars, Ebola e o H1N1. A grande quantidade de testes que a Coreia do Sul implementou ajudou a tranquilizar a todos, ao mostrar que o percentual de mortes era de apenas 0,5% dos contaminados, mesmo levando em consideração um número maior para grupos de risco - principalmente os mais velhos.

O grande erro de análise foi não considerar o pânico criado pela falta de leitos necessários nos hospitais para curar os casos mais graves, o que pode levar a um colapso do sistema de saúde. Assim que o coronavírus atingiu o norte da Itália, região com grande população idosa, a taxa de mortalidade acelerou e o medo se alastrou para o Ocidente.

A estratégia liderada pelos EUA de encarar os casos como uma gripe forte transformou-se em pânico, com os países da Europa iniciando o fechamento de cidades e de fronteiras.

Grandes eventos esportivos no mundo foram cancelados, escolas foram fechadas e as pessoas tiveram que mudar suas rotinas, trabalhando de casa e deixando de frequentar restaurantes e outros eventos com grandes aglomerações.

Esse temor das pessoas e dos governos está criando um choque de demanda brutal. O setor de serviços vai ser o mais afetado e, diferentemente da crise de 2008, ninguém conseguiu se preparar. Esse choque em 2020 está sendo muito rápido e pode trazer consequências muito negativas para o crescimento global.

Devido ao medo da queda da atividade, a Inglaterra adotou uma estratégia diferente.

Está tentando suavizar a contaminação para dar tempo de que todos que precisem tenham atendimento nos hospitais. Os ingleses alegam que a melhor estratégia seria todos pegarem o vírus e ficarem imunes ao longo do tempo, pois o custo de uma recessão pode ser pior para a saúde da população com o aumento do desemprego. O fato é que se os governos não agirem logo, dando estímulo e crédito para as empresas afetadas, o mundo vai caminhar para uma profunda depressão.

No Brasil, estamos na fase inicial do pânico. As autoridades, porém, já começaram a fechar escolas e a cancelar eventos públicos, incentivando a população a ficar mais em casa. Além da desaceleração global, vamos sofrer uma forte queda da atividade no setor de serviços, provocada pelo confinamento das pessoas em casa - o que também terá um impacto na inflação.

O Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne hoje em me grande choque global com efeito deflacionário. O mundo todo reagiu com fortes quedas na taxa de juros liderados pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano) que, com duas reuniões extraordinárias, levou a taxa de juros rapidamente a zero e voltou a implementar uma forte compra de títulos para injetar liquidez no sistema. Economias emergentes como Chile, Paraguai e Egito anteciparam suas reuniões para reduzir o juro.

O Brasil continua sem espaço fiscal para reagir à crise e conta com a continuação do ciclo de queda de juros para ajudar a atenuar a desaceleração da economia. A tarefa do Copom é fácil, do ponto de vista dos modelos de meta de inflação, com amplo espaço para a queda de juros. Mas é difícil pela falta de liderança e harmonia entre o governo e o Congresso, para avançar nas reformas e garantir a âncora fiscal estabelecida nos últimos anos.

No meio desse pânico dos mercados, a boa notícia é que o mundo está se unindo contra o vírus, como se este fosse uma grande terceira guerra mundial. E, em períodos de guerra, a sociedade se organiza e sai fortalecida.

Luiz Eduardo Portella é sócio e gestor da Novus Capital

E-mail: lportella@novuscapital.com.br

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