O Globo, n. 32578, 17/10/2022. Política, p. 6

Moraes manda tirar do ar vídeo de Bolsonaro sobre venezuelanas

Jussara Soares
Fernanda Trisotto
Dimitrius Dantas
Bruno Góes
Alice Cravo


Uma frase do presidente Jair Bolsonaro (PL), de que “pintou um clima” com uma adolescente venezuelana durante um passeio de moto que fez ano passado, em Brasília, deflagrou amais recente batalha entre as campanhas dos dois postulantes ao Palácio do Planalto, o petista Luiz Inácio Lula da Silva e o candidato à reeleição. O QG bolsonarista empenhou esforços em diferentes frentes para conter a repercussão negativa de um vídeo e mitigar os danos à imagem do atual titular do Palácio do Planalto. Como resultado, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, determinou que todas as plataformas e a campanha de Lula retirassem a publicação do ar. O magistrado entendeu que a frase de Bolsonaro havia sido tirada de contexto e que ele estava sendo acusado injustamente de associação à pedofilia.

Ao longo do dia de ontem, o filho do presidente, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, se encarregaram de minimizara declaração do chefe do Executivo. Ambos argumentaram que a expressão “pintou o clima” não continha conotação sexual e que Bolsonaro a emprega em diferentes contextos.

— É uma figura de linguagem que o presidente usa toda hora. Fala isso sobre Congresso,sobre qualquer coisa. Nesse contexto, ele disse que pintou um clima de que havia algo estranho e ele foi lá ver o que era — afirmou o parlamentar.

Quando foi questionada sobre o caso durante um agenda em Sergipe, ontem, Michelle disse que “em tudo ele fala ‘se pintar um clima’”.

Bolsonaro se referiu às adolescentes durante uma entrevista ao canal do YouTube Paparazzo Rubro-Negro, na sexta-feira à noite. Ele contou que, durante um passeio de moto em São Sebastião, cidade satélite de Brasília, avistou meninas de 14 e 15 anos “bonitas ”,“arrumadinhas” e que “pintou um clima”. Na sequência, o presidente foi à casa delas, onde gravou um vídeo, para ver em que condições elas viviam, segundo ele.

— Parei a moto, tirei o capacete e olhei umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas num sábado numa comunidade. E vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. ‘Posso entrar na sua casa ?’ Entrei. Tinham umas 15,20 meninas sábado de manhãs e arrumando. Todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida. Você quer isso para a  sua filha que está nos ouvindo agora ? — disse o presidente.

O relato teve repercussão imediata. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, foi a público acusar Bolsonaro de “depravado” e “criminoso”. Outros petistas lembraram que, se Bolsonaro desconfiou de exploração sexual de uma menor e não tomou providência, pode ter incorrido no crime de prevaricação. Acossado pelas críticas, o presidente abriu uma transmissão ao vivo pela internet no início da madrugada de sábado para se defender.

— (O PT) Pega pedaço e fala “pintou um clima”? Que vergonha é essa? Sempre combati a pedofilia — disse.

A decisão de Moraes foi de encontro ao que antes haviam solicitado ao STF o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e o deputado Leonardo Grass (PV-DF). Oposicionistas, ambos queriam que a Corte investigasse se houve prevaricação na conduta do presidente, já que ele insinuara que as meninas venezuelanas estavam em vulnerabilidade. Àquela altura, a guerra em torno do tema já havia ganhado terreno na internet. O PT já tinha gasto pelo menos R$ 26 mil em impulsionamentos para ampliar o alcance do material. Já a campanha do postulante à reeleição lançou mão do mesmo artifício e investiu R$ 145 mil para amplificar a seguinte mensagem: “Bolsonaro não é pedófilo”.

Bolsonaristas avaliaram a possibilidade de enviar Michelle a São Sebastião para tentar encontrar as venezuelanas e reverter os danos à imagem dele. O GLOBO identificou agentes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão responsável pela proteção presidencial, assim como servidores da Secretaria de Comunicação (Secom) próximos à casa onde Bolsonaro esteve com as adolescentes.

A Secom disse que foi para o local depois de receber demandas da imprensa. O GSI não respondeu por que seus agentes estavam lá.