O Globo, n. 32579, 18/10/2022. Opinião, p. 2

TSE precisa equilibrar cerco a fake news e zelo pela liberdade de expressão



Diante da profusão de fake news, ambas as campanhas presidenciais têm entrado com ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) alegando uso indevido de meios de comunicação para disseminar desinformação. Uma ação do PT acusa a emissora de rádio e TV Jovem Pan de dar tratamento privilegiado ao rival, Jair Bolsonaro (PL), e de ter se tornado “o braço mais estridente do bolsonarismo”. Outra ação atribui a Bolsonaro, três de seus filhos e 77 figuras ligadas ao bolsonarismo o uso de sites e perfis on-line para “promover e propagar a desinformação sob o contexto eleitoral”. Tais ações mais uma vez impõem à Justiça o desafio de equilibrar o combate às fake news e a proteção à liberdade de expressão.

Em decisão sobre a primeira dessas ações, o relator, ministro Benedito Gonçalves, abriu investigação contra a emissora, embora tenha negado as medidas liminares solicitadas pela campanha do PT. Em sua justificativa, ele afirmou que “comentaristas da Jovem Pan (…) persistem na divulgação de afirmações falsas sobre fatos (coisa que difere da legítima opinião que possam ter sobre a realidade)”. Mas recusou tomar qualquer medida sem que antes a investigação especificasse “a conduta a ser praticada ou da qual tenha que se abster o destinatário da ordem”. Para Gonçalves, é importante aprofundar a discussão sobre o conceito de isonomia previsto na lei eleitoral.

É evidente que uma emissora ou qualquer empresa que pratique atividade jornalística deve se abster de divulgar propositalmente informações que saiba ser falsas ou inverídicas. Além disso, no caso específico da radiodifusão, por mais que isso não corresponda à prática em democracias maduras ou à situação ideal, a lei brasileira exige isonomia de tratamento das diversas candidaturas — e cumprir essa determinação em sua programação jornalística é dever e preocupação de toda emissora que se preze.

Ao mesmo tempo, a proteção da Constituição à liberdade de expressão abarca o direito a manifestar todo tipo de opinião, mesmo as mais abjetas, desprezíveis ou degradantes. Como escreveu o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, no acórdão da ação em que o Supremo Tribunal Federal garantiu, em 2018, a veiculação de sátira e humor nas eleições, “o direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte-se que mesmo as declarações errôneas estão sob a guarda dessa garantia constitucional”.

O essencial, ao debruçar-se sobre as demandas do PT, é que o TSE saiba equilibrar as exigências legais, de modo a alcançar o ideal expresso por Moraes: “Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das mais variadas opiniões sobre os governantes”.