Valor Econômico, v. 20, n. 4963, 19/03/2020. Brasil, p. A10

Comércio em retração acentua cenário de recessão no semestre

Ana Conceição
Anaïs Fernandes
Arícia Martins
Thais Carrança 


Diante da perspectiva de que comércio e serviços serão fortemente afetados por paralisações de atividade e restrições na circulação de pessoas, as previsões para o crescimento do país continuam sendo revistas para baixo, com analistas prevendo encolhimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2020. Só ontem, os bancos JPMorgan e Goldman Sachs reviram suas projeções para -1% e -0,9% - as projeções anteriores eram de alta de 1,6% e 1,5%, nessa ordem.

O primeiro semestre será de “recessão profunda” no país, estima a equipe da economista-chefe para o Brasil do JPMorgan, Cassiana Fernandez. O banco prevê queda de 3,5% no PIB do primeiro trimestre, em termos anualizados. O número reflete a desaceleração global e medidas de contenção à disseminação do vírus no Brasil, que devem se acelerar a partir da segunda quinzena de março.

No segundo trimestre, efeitos negativos da covid-19, medidas de controle, aperto nas condições financeiras e recessão global vão derrubar ainda mais a economia. “Julgamos que o segundo trimestre poderia ser ainda pior, mas as medidas fiscais adotadas pelas autoridades provavelmente suavizarão esses efeitos. ”

A Guide Investimentos também revisou sua estimativa para o PIB brasileiro em 2020 de 1,6% para -0,7%. Considerando o carregamento estatístico de 0,8% que 2019 deixou para este ano, “nossa nova estimativa é de fato tão ruim quanto parece”, escrevem os economistas João Mauricio Lemos Rosal e Homero Guizzo. “Eventualmente, se tudo der certo, podemos ter alguma expansão, de 1,5%, em 2021”, disse Rosal ao Valor. No cenário da Guide, a fase mais aguda para a economia engloba os próximos quatro meses, com restrições “muito fortes”, que, depois, devem ser “gradativamente relaxadas”.

Na 4E Consultoria, a projeção do PIB deste ano que já havia sido reduzida de 2,3% para 1,8% agora foi a zero. Pela ótica da oferta, o setor mais atingido seria a indústria, que poderia crescer 1,3%, mas agora deve recuar 1,7% dentro do PIB. Falta de peças, menor circulação de pessoas e queda de demanda devem levar a um impacto negativo de 3,7 pontos percentuais no ano no crescimento do setor. Já para o PIB dos serviços, a consultoria reduziu a estimativa de 1,9% para 0,3%. Nesse segmento, o efeito negativo da covid-19 será de dois pontos.

“Olhando para um período de 75 dias, a gente trabalha com redução de 20% para o comércio. Para outras atividades de serviços, que incluem hotéis, restaurantes e recreação, a redução é de 50%”, explica Juan Jensen, sócio e economista da consultoria. Considerando que a crise atual afetará emprego, renda e confiança, há impactos residuais. “Para o comércio, seria queda de 2% nos sete meses seguintes e, em ‘outras atividades’, de 3%”, diz Jensen.

Do lado da demanda, foram cortadas as projeções para o desempenho do consumo das famílias (2,4% para -0,4%) e para o investimento (3,4% para -1,3%). Já a estimativa para a variação dos gastos do governo passou de aumento de 0,6% para 2,5%.

Para o UBS, que também revisou ontem sua projeção de PIB em 2020 de 1,3% para 0,5%, uma recuperação concreta no segundo semestre é condição para que a economia tenha variação positiva neste ano. O banco vê queda de 0,1% no primeiro trimestre, ante os três meses anteriores, e de 4,4% no segundo. “Interrupções do lado da oferta apenas começaram”, escrevem os economistas Tony Volpon e Fabio Ramos.

No segundo semestre do ano, com o vírus provavelmente contido, liquidez do mercado normalizada e produção global se recuperando, será possível retomada da demanda doméstica, prevê o JPMorgan. A projeção é que o PIB cresça 7% no terceiro trimestre e 3% no quarto em termos anualizados.

O cenário do JPMorgan assumia medidas como corte de 0,50 ponto percentual na Selic ontem - o que se concretizou - e mais 0,25 ponto em maio, algo que o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) indicou que não deve ocorrer. O banco espera medidas de apoio às empresas afetadas e empréstimos a pequenas e médias empresas por meio de bancos públicos.

Para os analistas da Guide, ações fiscais e monetárias não têm sido bem coordenadas, particularmente no Brasil. “A impressão até agora é de que os governantes estão em modo reativo, se apressando com medidas ao invés de apresentarem um conjunto bem pensado de pacotes”, afirmam.

Entidades que representam o setor do comércio destacam a importância da manutenção dos empregos. “A perspectiva é que venham novas restrições. Para evitar fechamento em massa é preciso um conjunto amplo de medidas”, diz Marcel Solimeo, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

Não só mais crédito, mas também medidas envolvendo encargos, podem trazer alívio imediato. “O prazo dos tributos você altera e sabe que será aquele valor, é diferente de ter imposição de juros”, diz Ivo Dall’Acqua Junior, vice-presidente da FecomercioSP.