Valor Econômico, v. 20, n. 4963, 19/03/2020. Brasil, p. A10

Flexibilizar a meta é suficiente para medidas emergenciais, dizem analistas

Arícia Martins


Flexibilizar a meta de resultado primário - como deve ocorrer com a provável adoção do estado de calamidade pública no país - já basta para que o governo consiga tomar medidas emergenciais necessárias devido à crise do coronavírus, avaliam economistas de linha mais fiscalista ouvidos pelo Valor. No momento, as prioridades seriam destinar mais recursos à área da saúde, proteger pessoas de menor renda e trabalhadores informais e garantir que empresas tenham capital de giro. Nenhuma delas exige que o teto de gastos seja abandonado - o que, para eles, seria um erro grave, mesmo num cenário extremo como o atual.

Permitir o descumprimento da meta fiscal faz sentido porque, com a ruptura do funcionamento da economia, as receitas vão cair muito, mas o governo não pode adotar uma postura de “liberou geral” para gastar, nem abandonar o teto, afirma Marcos Mendes, pesquisador do Insper. “São necessárias medidas focadas naquilo que é mais importante, e temporárias. Não pode criar nada que corra o risco de, passada a epidemia, se perpetuar como despesa rígida e obrigatória”, avalia Mendes, um dos idealizadores da regra do teto.

Com a crise, o governo precisa priorizar três frentes, e nenhuma delas coloca o teto em xeque, aponta. A primeira seria liberar gastos emergenciais para ações na área da saúde a fim de conter a epidemia, medida para a qual o teto já tem uma “válvula de escape”. A segunda seria mitigar a perda de renda de pessoas pobres e trabalhadores informais. A terceira, envolvendo bancos públicos, seria criar linhas de crédito para capital de giro com prazos mais longos.

“Não precisa de subsídio porque os juros já estão baixos. É só dar prazos maiores para que as empresas respirem, e postergar pagamentos de tributos também vai na direção correta”, comentou. O que o governo não pode sob hipótese alguma, na visão do pesquisador, é remover a regra do teto, sob a justificativa de que aumentar o gasto público será positivo para a economia.

Nesse caso, poderiam ser concedidos aumentos salariais a servidores que já têm boa remuneração, alerta o especialista. Fazer mais investimentos públicos também não teria resultado agora, na opinião de Mendes. “Não funciona. Vai gastar dinheiro à toa. Por isso, manter o teto ajuda a direcionar recursos para onde as despesas têm que ir, que são gastos emergenciais com saúde. ”

Para Renato Fragelli, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE-FGV), cabe ao governo reagir com gastos maiores na saúde, por meio de créditos extraordinários já previstos em casos de situação extrema na emenda que criou o teto. “O problema é cair na tentação de fazer política fiscal contracíclica que de contracíclica não tem nada, criando-se despesas que depois não podem ser reduzidas. ”

Segundo Fragelli, é difícil prever a duração da crise do coronavírus, mas ela será transitória. Por isso, medidas que não possam ser revertidas após o fim do choque negativo, como antecipação de reajustes de servidores, ou aumento do investimento público, que demora a surtir efeito sobre a atividade, devem ficar de fora do plano de ação. “Já temos déficit primário desde 2014 e a dívida pública está em 76% do PIB. Não há espaço para aumento permanente de despesas”, afirma o professor da FGV.

O professor concorda que é preciso dar mais fôlego financeiro às empresas, mas pondera que a postergação do pagamento de parte dos impostos, anunciada pelo governo na segunda, atende em parte essa necessidade. “Linhas de capital de giro nos bancos públicos é algo que pode ser feito, mas atrasar o recolhimento de impostos é análogo”, disse.

José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, se diz contrário a políticas que diferenciem bancos públicos e privados. Ele avalia, no entanto, que o Banco Central deveria pensar em alguma forma de dar garantias ao setor bancário, para que as instituições não parem de emprestar a empresas que terão sérios problemas durante a crise, mas que voltarão a ser eficientes assim que a economia se normalizar.

Do lado do gasto público, além dos recursos emergenciais necessários na saúde, Camargo afirma que medidas para garantir renda a ocupados sem carteira também é importante, principalmente àqueles que não são atendidos por nenhum programa de transferência de renda. “Gastos com saúde e proteção social precisam ser feitos”, disse.

Para Mendes, o Brasil está sem munição para reagir agora justamente porque fez escolhas erradas na política fiscal durante muitos anos. “Criamos muitas despesas obrigatórias e colocamos dinheiro para capitalizar estatais. Se essas empresas tivessem sido privatizadas, não precisaríamos colocar recurso público nisso e teríamos mais espaço fiscal para lidar com a epidemia. Agora temos que lidar com esse problema partindo de uma situação fiscal muito frágil. ”