Valor Econômico, v. 20, n. 4963, 19/03/2020. Brasil, p. A10

Suspensão de coleta de dados de emprego e inflação não vai parar pesquisas, diz IBGE

Bruno Villas Bôas
Anaïs Fernandes


Depois de suspender a coleta de dados da pesquisa de emprego, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) interrompeu a coleta presencial de preços que compõem o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do país. Motivada pela disseminação do coronavírus, a decisão pode paralisar a divulgação do índice, mas o IBGE diz ter um plano para evitar isso.

Num momento em que o país entra em mais uma grave crise, a interrupção da coleta de preços elevou as preocupações entre agentes públicos e setor privado de operar sem instrumentos oficiais de medida da economia. Apesar disso, especialistas consideram que não deve haver um “apagão” estatístico, já que existe uma diversidade de indicadores no país.

Além de ser o balizador para o cumprimento da meta de inflação do país, o IPCA é usado, por exemplo, como referência para remuneração de títulos do Tesouro Nacional. O índice oficial serve ainda como indexador das dívidas dos Estados e dos municípios com a União.

Os componentes do IPCA são usados como deflatores de pesquisas conjunturais. Preços de alimentos deflacionam a receita de supermercados na Pesquisa Mensal de Comércio (PMC); os preços das passagens aéreas deflacionam seu correspondente na Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) - ambas do IBGE.

Dessa forma, o efeito cascata da paralisação poderia afetar o cálculo do Produto Interno Bruto (PIB), que também fica ameaçado pela decisão de suspender os cálculos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua, que acompanha o mercado de trabalho. Procurado, o IBGE não comentou a possibilidade de adiamento da divulgação do PIB.

O coordenador de Índices de Preços do IBGE, Gustavo Vitti Leite, garante que o IPCA e outros índices do instituto não vão parar. “Com certeza absoluta, os índices de preço do IBGE não vão parar. Estamos mobilizados em todas as áreas para realizar a coleta por telefone, pela internet”, disse Leite. “Estamos em contato com todas as unidades, todos os agentes.”

O instituto pesquisa mensalmente 590 mil preços em 33 mil locais de compras. São 377 produtos e serviços pesquisados para o IPCA, dos quais cerca 80% teriam coleta presencial. Entre os produtos hoje com coleta totalmente presencial, estão itens de alimentação, higiene e limpeza, bares e restaurantes. Todos serão agora coletados de forma remota.

No caso das feiras livres, por exemplo, os preços passam a ser coletados pelos sites das redes de supermercado, inclusive promoções. “Não vamos ferir a metodologia do IPCA”, afirmou. “O uso de robôs é mais limitado porque temos que ter homologações.”

Prévia da inflação, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) de março foi completamente coletado e será divulgado normalmente.

A MCM Consultores estima que cerca de 70% dos componentes do IPCA podem ser afetados pela suspensão da coleta presencial, mas acredita que não haverá interrupção na divulgação do índice. Para a consultoria, porém, as “mudanças nas coletas de preços aumentam de forma significativa as incertezas em torno das projeções do IPCA nos próximos meses”.

“Há o caso específico de empregados domésticos e mão de obra para reparos no qual o IBGE utiliza as informações de rendimento da Pnad Contínua, cuja coleta domiciliar também foi suspensa. Possivelmente, será adotada também a pesquisa por telefone, mas existe a chance de nesse período a instituição apenas repetir as informações do mês anterior”, diz a MCM.

Bráulio Borges, da LCA Consultores, diz que os acontecimentos reforçam a necessidade de adoção de tecnologias de pesquisas pela internet. “Isso reforça o papel do ‘big data’ para fazer acompanhamento tanto de inflação quanto de atividades. No Brasil, estamos atrasados em relação a isso”, afirma Borges. “O ‘big data’ não é per perfeito, mas poderia suprir num eventual risco de apagão estatístico.”

Apesar disso, o economista não acredita que o país vai passar os próximos meses no “escuro estatístico”. “Temos dados de consumo da energia elétrica, dados da Fenabrave sobre veículos, que são dados físicos. Não precisamos ter gente na rua necessariamente para medir a atividade. Há registros administrativos”, explica Borges, lembrando ainda de outros índices de preços.

Outras fontes de medição seguem regularmente. André Braz, economista coordenador de Índices de Preços ao Consumidor da FGV, diz que vai manter as pesquisas nas sete cidades acompanhadas, além das demais pesquisas de atacado, incluindo o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M), que reajusta aluguéis.

Da mesma forma, a Fundação de Pesquisas Econômicas (Fipe) mantém, por ora, a coleta de dados para construir seu Índice de Preços ao Consumidor (IPC), informou Guilherme Moreira, coordenador do IPC-Fipe. “Por enquanto, as pesquisas não vão ser afetadas, mas também não sabemos até quando”, ele afirma.