Título: O voto depois da violência
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 24/10/2005, País, p. A4
O psicólogo Carlos Santiago votou Sim porque no dia em que ficou cara a cara com um dos responsáveis pela morte da filha de 14 anos pensou que, naquele momento, se tivesse uma arma, poderia fazer justiça com as próprias mãos.
- O delegado deixou que eu visse o assassino. Se tivesse a facilidade de ter uma arma, acho que atiraria no assassino da minha filha - lembra Carlos, pai de Gabriela Prado Maia Ribeiro, atingida no lado direito do peito por uma bala perdida na saída da estação do metrô de São Francisco Xavier, em 2003.
A também psicóloga Cleyde Prado Maia, mãe de Gabriela, viveu exatamente o mesmo drama mas votou Não. O Sim, acredita Cleyde, traria aumento da criminalidade.
A divergência do casal não atrapalha a luta de quase três anos pela diminuição da impunidade. Os dois precisam recolher 1,2 milhão de assinaturas para apresentar um projeto de lei que altera o Código Penal para torná-lo mais rigoroso. Pelo código, as penas, mesmo para homicídios dolosos, com intenção de matar, não podem passar de 30 anos.
Estampando nas camisas a imagem de Gabriela fazendo o gesto da paz, Carlos e Cleyde foram cumprimentados por outros eleitores na hora da votação na 7ª Zona Eleitoral, no Tijuca Tênis Clube. Hoje o casal dedica boa parte do tempo à luta contra a impunidade e orienta outras vítimas da violência urbana. Carlos deixou seu consultório e Cleyde faz curso de Gestão em segurança pública, na Uerj.
- Quando ela desceu aquela escada era uma realização pessoal porque todos os amigos já andavam sozinhos na rua. E ela cobrava isso da gente - lembra Carlos.
O psicólogo acredita que o desarmamento não trará a diminuição dos índices de criminalidade nem poderia ter evitado a morte da filha, mas evitará que pessoas tomem atitudes desmedidas como a que ele cogitou.
- Poderia ter feito justiça com as próprias mãos e olha que eu sou uma pessoa esclarecida - reforçou.
Segundo Carlos, a cúpula de segurança pública no Rio não está comprometida em encontrar soluções, e é movida por questões eleitorais.
Com a mesma convicção que Carlos defende o Sim, Cleyde apóia o Não:
- Não acredito que as armas sairão das mãos do bandido. Não existe política para desarmar o bandido.
O baterista Marcelo Yuka, que ficou paralítico em 2000 após ter sido atingido por tiros de fuzil numa falsa blitz, precisou de ajuda para descer do carro e superar três degraus na entrada do Clube Maxwell, em Vila Isabel, onde confirmou o voto no Sim. Em seguida, o baterista mostrou a blusa com os dizeres ''Estes são os cretinos que mataram Galdino'', em referência ao caso do índio morto, queimado, por jovens em Brasília. O músico elogiou a iniciativa de transferir a decisão para a população.
- Alguns argumentos conservadores me surpreenderam. Parece que algumas pessoas não estão dispostas a enfrentar a violência com novas idéias - afirmou Yuka, que vê a proibição como etapa no combate à violência.
Por volta das 16h, o músico não se mostrou muito otimista com a vitória do Sim. Segundo ele, a campanha do comitê oposto recebeu apoio financeiro da indústria de armas, criticando o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ):
- É aquela coisa: ''Diga-me com quem
andas e eu te direi quem és''.
Jair Bolsonaro deixou a arma no carro ao entrar na Zona Eleitoral onde votou Não, na Vila Militar, em Deodoro, no subúrbio. O militar afirmou que se a legislação já é estímulo à ilegalidade, a proibição aumentaria o mercado negro.
- Até os ratos defendem suas crias - disse Bolsonaro, que, antes do resultado final, comemorou a virtual vitória do Não com churrasco em casa, na Barra.