Valor Econômico, v. 20, n. 4963, 19/03/2020. Política, p. A14

Panelaço contra presidente é ouvido em várias cidades

Cristian Klein



Inicialmente convocadas como protesto de rua, as manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro se converteram ontem à noite num panelaço, marcado para às 20:30 h, mas começado uma hora antes, e que repetiu o “barulhaço” espontâneo observado na véspera em vários bairros de São Paulo, Rio e Brasília. Houve registros de panelas batendo em bairros do Rio de Janeiro como Tijuca, Botafogo e Laranjeiras; de São Paulo, como Santa Cecília, Ipiranga, Perdizes e Pinheiros; de Brasília como a Asa Norte; de Fortaleza, na Aldeota; do Recife, na Boa Viagem; de Belo Horizonte, em Santo Agostinho e Anchieta.

Em meio às críticas pela postura diante da crise do coronavírus, Bolsonaro reagiu e também convocou pelas redes sociais um panelaço a seu favor, às 21h, que foi atendido em menores proporções em São Paulo, no Rio, em Belo Horizonte e no Recife. À tarde, o presidente já havia sido alvo de panelaços espontâneos, enquanto dava entrevista sobre a epidemia.

Um dos organizadores do protesto contra o presidente, o coordenador da Frente Povo Sem Medo e candidato ao Planalto na eleição de 2018, Guilherme Boulos (Psol), afirmou que o repúdio a Bolsonaro rompeu as fronteiras ideológicas e partidárias. “O problema do coronavírus e da falta de liderança para lidar com a crise é de toda a população brasileira”, disse. Para o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sérgio Nobre, a manifestação foi de “todo mundo que é democrata” e está preocupado com a situação do país. “Não somos donos do protesto”, afirmou.

Para Boulos, a iniciativa de o presidente chamar apoiadores para sair em sua defesa num panelaço apenas meia hora depois ao convocado pela oposição foi uma ideia “infantil”, “mentirosa” e arriscada. “Ele fica querendo fazer diversionismo para confundir as pessoas. Essa tática tem um limite, pois a população sabe muito bem porque vai bater panela hoje [ontem]. E não é a favor dele”, disse.

Em entrevista à tarde, no Palácio do Planalto, Bolsonaro pediu que a imprensa também divulgasse o panelaço a seu favor e afirmou que “parece que há um movimento espontâneo da população”: “Encaro como expressão da democracia”. Bater panelas, no entanto, é uma manifestação incomum para defender um político. Antes de ser afastada do poder, em 2016, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) foi alvo de vários panelaços pelo país.

De acordo com o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a estratégia de Bolsonaro de apelar à sociedade lembrou o fim da popularidade de Fernando Collor de Mello, em 1992, quando o ex-presidente pediu para que a população vestisse verde e amarelo, mas ela foi de preto às ruas - episódio marcante rumo ao impeachment à época.

O panelaço contra Bolsonaro, denominado “Vozes da Janela”, foi organizado pela Frente Povo Sem Medo - formada por entidades, movimentos sociais e dirigentes de partidos mais ligados à oposição à esquerda dos governos do PT - e pela Frente Brasil Popular, composta por associações mais ligadas ao petismo. Pertencente às duas frentes, a CUT defende o impeachment de Bolsonaro. “Motivos já temos de sobra. Como apoiar manifestações que pediram fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF)? Ele agride as instituições o tempo todo. E o comportamento na crise do coronavírus tem sido irresponsável, inaceitável”, disse Nobre.

O protesto foi marcado originalmente como manifestação de rua, antes da crise do coronavírus, em resposta aos atos de apoio a Bolsonaro que ocorreram no domingo e carregaram faixas e cartazes contra o Congresso Nacional e o STF. Para Boulos, o presidente “mostrou completa falta de capacidade de liderança” num momento em que a população é obrigada a ficar em casa para conter o avanço da covid-19, doença que já matou mais de 8 mil pessoas em todo o mundo.

No domingo, Bolsonaro saiu do Palácio do Planalto e interagiu com simpatizantes, apesar de recomendações expressas, adotadas em vários países, para se evitar aglomerações e a propagação do vírus. “Qual o gesto que ele está dando ao brasileiro? E depois fica dizendo que é histeria e que vai dar festinha [de aniversário]”, criticou.

Com as atitudes de Bolsonaro, o protesto - antes voltado para a defesa da democracia e dos direitos sociais e contra a “escalada autoritária” - ganhou outras pautas. “Agora, entendemos que ganha centro a questão do subfinanciamento do SUS, da revogação do teto de gastos, medidas para que o povo brasileiro não sofra mais do que já está sofrendo”, afirmou.

Boulos disse que novos panelaços ocorrerão, mas não há data definida. O líder do Psol afirmou que os protestos continuarão independentemente de uma nova manifestação marcada por bolsonaristas para o dia 31 de março, dia do golpe militar de 1964, com concentração em frente a quartéis. A pauta explícita é o fechamento do Congresso e do STF. “Isso não é mais uma questão política. É um problema criminal, de saúde mental, convocar manifestação no pico do coronavírus. É um ato de defesa do suicídio coletivo”, afirmou Boulos, para quem os atos, contudo, “não vão vingar”: “É só fumaça”. Bolsonaro afirmou ontem que, dessa vez, não há hipótese de ir a uma nova manifestação, porque “não há clima” para novo ato. (Colaboraram Marina Falcão, do Recife; e Marcos de Moura e Souza, de Belo Horizonte)