O Globo, n. 32581, 20/10/2022. Política, p. 9

Fala de Damares pauta pedofilia, mas direita perde controle do tema

Malen Couto


A repercussão do vídeo em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) diz que “pintou um clima” com meninas venezuelanas de 14 e 15 anos ajuda a explicar por que a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recorreu da decisão do ministro Alexandre de Moraes que determinou a retirada de propagandas sobre o assunto. Um relatório semanal feito pela empresa de monitoramento Essa Tal Rede Social, em parceria com a também empresa de análise Novelo, revela que as menções a pedofilia no Twitter somaram 1,8 milhão no fim de semana, enquanto o termo “debate” no mesmo período teve 1,3 milhão. No último domingo, Bolsonaro e Lula participaram do primeiro debate do segundo turno na TV.

As citações também superaram as menções a pedofilia no Twitter nos dias após o vídeo da ex-ministra e senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF) com alegações não comprovadas de um esquema de tráfico de crianças e de exploração sexual de menores na Ilha do Marajó, no Pará. Entre os principais atores na discussão sobre a declaração de Bolsonaro então nomes de fora do PT, como o youtuber Felipe Neto e o deputado federal André Janones (Avante), que se tornou um dos principais articuladores da campanha digital de Lula. No Google, os 14 principais termos em ascensão nas buscas sobre Bolsonaro durante parte do último domingo faziam referência ao episódio, observa também a análise da Essa Tal Rede Social.

Com o vídeo de Damares e o caso do ator José Dumont, que foi preso sob acusação de armazenar imagens de sexo envolvendo crianças e solto no último dia 12, o bolsonarismo tentou emplacar o debate sobre pedofilia nas eleições, mas apoiadores do presidente foram surpreendidos ao ver a temática ser explorada contra Bolsonaro. A estratégia já havia sido mobilizada por aliados do presidente em outros momentos. Em 2020, Felipe Neto foi falsamente acusado de pedofilia e, em março, uma mobilização bolsonarista levou a uma determinação de censura ao filme “Como se tornar o pior aluno da escola”, com Danilo Gentili e Fábio Porchat, revertida em seguida.

Canais de fora da política

No YouTube, uma tendência observada pela Novelo, que monitora frequentemente a plataforma, é a participação de grupos não atrelados à política que compartilham conteúdos favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro. Se nas semanas anteriores ao primeiro turno canais ligados a empreendedorismo e finanças pessoais passaram a publicar vídeos com críticas a Lula ou enaltecendo Bolsonaro, agora também se destacam youtubers que se dedicam a explicar como acessar benefícios sociais, uma das apostas do atual governo para conquistar votos nas eleições. Uma das táticas observadas é associar promessas como o 14º salário para beneficiários do INSS, proposta que ainda aguarda análise do Congresso, a Bolsonaro e ao ministro da Economia, Paulo Guedes —fotos de ambos, inclusive, são usadas para ilustrar os vídeos —, o que se mistura a manchetes sensacionalistas com especulações sobre a liberação do pagamento dos recursos. Alguns exemplos de canais que compartilham esses conteúdos são João Financeira, que tem 1,17 milhão de inscritos, Alô INSS, que soma 1,08 milhão de seguidores, e INSS notícias hoje, com 256 mil inscritos.

Vantagem maior no Facebook

São grandes as diferenças no desempenho das contas oficiais de Lula e Bolsonaro a depender da plataforma. Um levantamento feito pela consultoria Bites revela que, no Facebook, o atual presidente tem a maior vantagem sobre o petista e soma 2,5 vezes mais interações desde o início do segundo turno. Entre 2 e 14 de outubro, a conta de Bolsonaro recebeu 15,4 milhões de curtidas, comentários e compartilhamentos, contra pouco mais de 6 milhões de Lula. No Instagram, o candidato do PL segue à frente, mas a vantagem é menor. Seu perfil teve 1,6 vezes mais interações que o do rival no período. No Twitter, o cenário se inverte: o perfil de Lula somou 9,6 milhões de interações no período, ante 7 milhões de Bolsonaro. Manoel Fernandes, da Bites, pondera que o Twitter é uma rede mais limitada em seu alcance no Brasil que Facebook e Instagram.