Título: Controle de TVs põe democracia em risco
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Fonte: Jornal do Brasil, 23/10/2005, Internacional, p. A9

Instituto húngaro apresenta o maior relatório já feito sobre os canais europeus. A radiografia concluiu que o controle político e o monopólio de grupos privados são uma ameaça

BRUXELAS - A considerar a influência de políticos, a mão do Estado e a força de grupos econômicos no controle de redes de TV, a democracia plena na Europa está sob séria ameaça. A análise está no maior relatório sobre essa mídia já feito, que avaliou os 4 mil canais hoje em operação no Velho Continente e focou no caso de 20 países. A conclusão: em média, será preciso, pelo menos, uma década para que o quadro se altere, mesmo assim, se a União Européia fizer pressão para tornar livre de fato a fonte mais primária de informação para o povo.

O estudo foi feito pelo Open Society Institute (OSI), da Hungria, e divulgado este mês em Bruxelas. Os 20 países foram reunidos em quatro grupos: Itália, França, Reino Unido e Alemanha; República Tcheca, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Polônia, Eslováquia e Eslovênia, que aderiram à União Européia em 2004; Bulgária e Romênia, que aderem em 2007; e Croácia e Turquia, que são candidatos. Albânia, Bósnia e Herzegovina, República da Macedônia e Sérvia são ''candidatos em potencial''.

Com relação aos Estados que integraram a extinta Cortina de Ferro e viveram sob ditaduras comunistas até a virada da década de 80 para a de 90, os resultados da pesquisa, embora ainda preocupantes, não surpreenderam. São nações que passaram décadas sob a vigilância de Moscou, onde a TV era meio eficaz de controlar a informação e fazer a propaganda do regime e que agora ainda se acostumam à democracia e à iniciativa privada. Há esperança.

- Ocorre, ainda, uma confusão nesses países. É preciso que os governos parem de achar que podem controlar as tevês. Também é preciso acabar com a mentalidade de muitos empresários que têm a ilusão: ''bem, quando eu tiver poder também poderei controlar a informação''. Há uns quatro anos, eu diria que era um problema sem solução. Mas a maioria dessas nações conquistou uma maturidade política nos últimos anos que torna possível esperar avanços ainda mais significativos na próxima década - disse ao JB o pesquisador romeno Marius Dragomir, que editou as 1.662 páginas do relatório.

O que realmente preocupa é o controle da informação nos países da Europa Ocidental, onde o mercado se divide entre canais públicos e privados, tradição no continente. Os primeiros, segundo apurou o estudo, se não estão sob a mão-de-ferro óbvia das ditaduras do lado oriental, sofrem com a influência dos interesses políticos, seja da oposição ou da situação. Está nas mãos do Estado, por exemplo, a concessão de canais para novos empreendimentos. No setor privado, vale a lei do mercado, quase sempre dominado pelo monopólio. O pior quadro é a Itália, onde o primeiro-ministro Silvio Berlusconi, além de ser o sócio majoritário do canal Mediaset, privado, tem, como chefe da nação, poder sobre a estatal Rai. Mais: por força do cargo, é também quem nomeia os membros do órgão governamental gestor do setor, um poder ''sem precedentes na Europa democrática'', segundo a pesquisa.

- Sempre marcávamos reuniões para fazer nossas recomendações. No caso da Itália, alguém falou, seriamente: ''o único jeito lá é o Berlusconi nunca mais se eleger''. Claro que não poderíamos nos intrometer em questões políticas locais - explicou Dragomir. - Aqui, a única solução seria a pressão da UE.

Na França, o controle do mercado vem do monopólio do canal TF1. O ideal, segundo o pesquisador do Open Society, seria que os políticos encontrassem uma solução para evitar a onipresença da emissora. Mas, como explica Dragomir, por força da lei, o TF1 é obrigado a dar igual espaço a todos as tendências do país:

- Por que eles iriam mexer nisso? - ironiza, sugerindo, no caso da França, a pressão da sociedade para que pelo menos outro canal público fosse privatizado.