Correio Braziliense, n. 21790, 13/11/2022. Política, p. 2

A difícil tarefa de unir os divergentes

Vinicius Doria


Em julho, ao defender a aliança com o ex-tucano Geraldo Alckmin (PSB), o então pré-candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lançou mão de uma frase — na verdade, a releitura de trechos de declarações e publicações do educador Paulo Freire — que serviu de lema para toda a campanha: “Eu li em um livro do Paulo Freire que a gente tem que juntar os divergentes para derrotar os antagônicos. E é isso que vocês precisam saber”. A primeira parte da missão foi cumprida com a vitória sobre o presidente Jair Bolsonaro (PL). 

Os divergentes — no caso, a miríade de forças políticas que se formou para derrotar o bolsonarismo — enfrentam, agora, mais um desafio, que é a busca por consensos no governo de transição que assegurem um mínimo de governabilidade a partir de janeiro. Essa costura está se mostrando mais complexa do que aparentava no calor da vitória nas urnas.

No Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede do gabinete provisório comandado pelo vice-presidente eleito, o trabalho ainda não engrenou. Muitos grupos temáticos ainda estão sem nomes indicados e a disputa por espaço já provoca atritos entre os diversos partidos que compõem a base de sustentação do futuro governo. Enquanto nas entrevistas coletivas a imagem é de união entre aliados de Lula e Alckmin, nos bastidores já há quem reclame do protagonismo de alguns e da indefinição dos rumos que o novo governo pretende seguir a partir de janeiro de 2023. Os principais atritos envolvem o núcleo ligado à base do PT, que sente a perda de espaço para forças políticas mais ao centro, personificadas pelo próprio vice, Geraldo Alckmin, e a senadora Simone Tebet (MDB).

Do lado dos partidos aliados, também há queixas em relação à presença maciça de petistas ligados, principalmente, ao governo de Dilma Rousseff, que não é bem avaliado pela maioria de suas lideranças. Na sexta-feira, causou perplexidade a informação de que Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda de Lula e de Dilma, havia pedido ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que adiasse a escolha de seu novo presidente. O ex-ministro — considerado um dos pais da “nova matriz econômica” que levou ao aprofundamento da crise vivida pelo país e abalou de forma definitiva a sustentabilidade política da então presidente — propôs o adiamento para que o governo Lula pudesse indicar outro nome que não Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central no governo de Michel Temer (MDB) e indicado ao cargo no organismo multilateral pelo ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes.

“Quem deu a Mantega essa delegação?”, perguntou um político ouvido pelo Correio no CCBB. Ontem, o BID confirmou a data da eleição e a manutenção dos nomes já inscritos, ignorando a proposta do ex-ministro.

Desenvolvimentistas

Guido Mantega integra o grupo temático de planejamento, orçamento e gestão do governo de transição. Sua indicação também provocou reações adversas entre aliados e no mercado financeiro, que fez a leitura de uma participação mais influente da ala chamada “desenvolvimentista” nas decisões do gabinete provisório. A presença de outro ex-ministro da Fazenda de Dilma, Nelson Barbosa, no grupo temático da economia, reforçou essa visão e ajudou a tensionar os mercados na quinta-feira.

Barbosa e Guilherme Mello, consultor econômico do PT ligado à Unicamp, vão elaborar o plano de política econômica do futuro governo em conjunto com dois especialistas egressos do PSDB de Fernando Henrique Cardoso: Pérsio Arida e André Lara Resende, mentores do Plano Real, que acabou com a hiperinflação no país. Está aí outro ponto de atrito potencial no time da transição. Arida e Resende defendem a responsabilidade fiscal ancorada em fundamentos claros e franzem a testa para teses heterodoxas de maior intervenção do Estado, apesar de reconhecidos pela criatividade com que enfrentam problemas macroeconômicos. Assessores da transição apostam que Alckmin terá papel importante nesse grupo. Como coordenador geral da transição, a última palavra (ou o voto de desempate) é dele.