Valor Econômico, v. 20, n. 4963, 19/03/2020. Finanças, p. C2

BC atua, mas dólar alcança R$ 5,20

Marcelo Osakabe
Estevão Taiar


A forte instabilidade dos mercados globais, combinada com novos questionamentos sobre o cenário fiscal do país, resultaram em mais um dia de forte volatilidade para os ativos locais. No câmbio, o movimento foi suavizado um pouco por meio de três intervenções extraordinárias do Banco Central (BC). Mesmo assim, a moeda americana encerrou com forte alta, de 3,79%, aos R$ 5,1955 - no pior momento, a cotação chegou a R$ 5,25.

O real acabou o dia com um desempenho mediano em relação a divisas emergentes e ligadas a commodities comparáveis. A maior desvalorização do dia foi a da coroa norueguesa, que caiu 7,32%, seguida do rublo russo, que perdeu 6,81%.

A alta demanda pelo dólar - não só no Brasil, mas em todo o mundo - é mais um sinal de desespero de investidores e empresas diante do tombo dos mercados financeiros. “Efetivamente, passamos de um momento em que investidores deixaram de escolher em qual ativo investir e passaram a buscar a sobrevivência. Como diz o ditado, “cash is king” [o dinheiro rei] neste momento”, diz o diretor global de estratégia para mercados emergentes do BNP Paribas, Gabriel Gersztein, sobre a atual dinâmica do mercado cambial mundial.

De olho nesse quadro, que tem resultado em uma falta de liquidez no mercado internacional de dólares, o BC anunciou ontem que realizará compras com compromisso de revenda, as chamadas “repos”, para títulos soberanos do Brasil denominados em dólares (global bonds) que estejam em mãos de instituições financeiras.

Em comunicado, o BC informou que a recompra terá desconto de 10% em relação aos preços de mercado e terão duração de 30 dias, período no qual haverá transferência de margem sempre que a exposição for igual ou superior a US$ 500 mil. Atualmente, o estoque de global bonds soma US$ 31 bilhões.

De acordo com um profissional de tesouraria de um grande banco, a decisão de reativar um instrumento também usado durante a crise de 2008 alinha o BC a outros bancos centrais, que também têm montado mecanismos para garantir o bom funcionamento de mercados como o de repo de commercial papers. A corrida para o dólar, diz esse interlocutor, deixou o mercado “raso” e tem prejudicado a liquidez “offshore” para bancos locais, detentores desses global bonds.

“É um mercado dinâmico que tem operações diárias e o BC quer manter a normalidade. A medida é positiva, mas não muda nada no cenário geral”, avalia um executivo de outra instituição financeira.

A falta de liquidez global de dólares foi o levou o Federal Reserve a retomar, no início da semana, as operações de swap de moedas com outros bancos centrais. Diferentemente de 2008, no entanto, o BC americano deixou o Brasil de fora do mecanismo desta vez. Na avaliação do profissional de tesouraria, no entanto, essa decisão não preocupa porque, diferentemente daquele momento, o Brasil dispõe, neste momento, de um grande colchão de reservas, de aproximadamente US$ 360 bilhões.

Este profissional diz notar que essa situação ainda não teve grande repercussão no Brasil e que as medidas têm caráter preventivo. Porém, caso ocorra, ela se revelaria em uma falta de dólares entre bancos, que teriam de comprar no mercado local para remeter ao exterior, o que descasaria o mercado spot com o futuro, em uma situação parecida com uma fuga de dólares. (Colaborou Talita Moreira)