O Globo, n. 32582, 21/10/2022. Política, p. 4

Cerco à desinformação

Mariana Muniz
Bernardo Mello


Na tentativa de conter o avanço da desinformação a dez dias do segundo turno, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou ontem uma resolução que amplia os poderes da Corte e aperta o cerco contra as fake news. O texto simplifica o processo de remoção de conteúdos falsos, reduz o prazo para as plataformas digitais tirá-los do ar e proíbe a veiculação de propagandas eleitorais nas redes sociais às vésperas do dia de votação e nas 24 horas seguintes. Embora reconheçam a necessidade de intensificar o combate à disseminação de informações mentirosas e discursos de ódio, especialistas apontam uma postura um pouco mais intervencionista do Judiciário na disputa eleitoral.

As medidas aprovadas ontem se juntam a uma série de decisões recentes tomadas pelo tribunal, como concessão de direitos de reposta ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e, sobretudo, ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A maior parte desses direitos, contudo, foi suspensa na noite de ontem pela ministra Maria Cláudia Bucchianeri, que levou o caso a plenário.

A nova resolução foi proposta pelo presidente do tribunal, Alexandre de Moraes. Nos últimos dias, ele tem demonstrado preocupação com o avanço da disseminação de publicações com mentiras. De acordo com o ministro, houve um crescimento de 1.671% no volume de denúncias de desinformação encaminhadas às plataformas digitais em comparação ao pleito de 2020.

— Todos sabemos que a partir do segundo turno houve uma proliferação não só de notícias fraudulentas, mas da agressividade desse discurso de ódio, que sabemos não levar a nada, mas a uma corrosão da democracia. Por isso precisamos de um tratamento mais célere — afirmou o presidente do TSE, na abertura da sessão da Corte realizada ontem.

Uma das principais alterações tem por objetivo coibir a republicação de conteúdos que o TSE já havia determinado o banimento. A assessoria de desinformação da Corte fará um rastreamento para identificar postagens de fake news, vedadas pelo tribunal, que tenham sido replicadas. O departamento vai comunicar os casos às plataformas digitais, que deverão tirá-las do ar em até duas horas. Na véspera da eleição, esse prazo cai para uma hora. Até então, era necessário que o TSE julgasse cada publicação feita, ainda que o mesmo conteúdo fosse reproduzido por diferentes perfis. Além disso, as empresas tinham até 24 horas para acolher a decisão. O atraso no cumprimento da determinação pode gerar multa de R$ 100 mil por hora.

— Não há razão para uma vez julgado que aquele conteúdo é difamatório, injurioso, notícia fraudulenta, uma vez definido, não pode ser perpetuado nas redes — justificou Moraes.

A resolução também prevê uma espécie de “apagão” de propaganda eleitoral paga na internet nas 48 horas anteriores à votação e nas 24 horas seguintes. Pela regra, as campanhas não poderão impulsionar publicações, e as plataformas não devem exibir qualquer publicidade referente aos candidatos nesse período. Pelas regras vigentes, a proibição vale somente para o dia da votação.

Por fim, anova norma ainda dá poder à Corte de determinara suspensão temporária de perfis, contas ou canais em redes sociais nas quais sejam identificadas a produção sistemática de fake news.

Para além da decisão administrativa, em decisões judiciais tomadas nos últimos dias, o TSE chegou a conceder direitos de resposta àscam panhasde Lula edeBol sonar o. A Corte também determinara a remoção do vídeo em que Bolsonaro disse que “pintou um clima” com adolescentes venezuelanas durante um passeio de moto no ano passado, em Brasília. Especialistas em direito eleitoral ouvidos pelo GLOBO avaliam que o conjunto de providências recentes evidencia a preponderância de uma postura “intervencionista” da Corte.

O advogado constitucionalista Gustavo Binenbojm avalia que a “judicialização excessiva da campanha política traz risco de quebra da paridade de armas”.

— No futebol se diz que, quanto mais o juiz passa despercebido, melhor é para o jogo. Não negligencio que esta armadilha da judicialização do debate eleitoral surgiu por conta do ambiente político conflagrado. Mas quando há comportamento antidesportivo dos jogadores, o juiz precisa tomar cuidado para não aparecer mais e agravar o problema —comparou.

Para o coordenador-geral da Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Luiz Fernando Casagrande Pereira, a resolução do TSE tem por objetivo garantir que o cumprimento das decisões seja mais célere.

Risco de censura

A respeito dos direitos de reposta, ele não crê que nenhum dos dois postulantes à Presidência da República tenha sido beneficiado até aqui.

— Nós já temos um sistema de grande regulação da propaganda eleitoral, que determina até o tamanho do adesivo de um candidato, diferentemente de um país como os Estados Unidos, que basicamente não filtra nada. Aqui, o TSE calibrou neste ano um filtro ainda mais fino — afirma Casagrande, que acrescenta: — Uma posição mais ou menos minimalista da Justiça Eleitoral não está a serviço de nenhuma das candidaturas.

Os especialistas, embora considerem positiva a busca do TSE por assegurar o cumprimento de decisões contra a desinformação, defendem que é necessário avaliar efeitos colaterais de medidas mais incisivas. Para Binebojm, a resolução aprovada pelo tribunal pode atrapalhar o exercício do contraditório. Ele também critica decisões que concederam três direitos de resposta à campanha de Lula contra a “Jovem Pan”, sob pena de multa de R$ 25 mil.

— Não é razoável uma ordem judicial preventiva contra fake news para evitar que determinada emissora malverse os fatos — argumenta Binenbojm.