O Globo, n. 32583, 22/10/2022. Opinião, p. 3

O TSE vira alvo

Pablo Ortellado


O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tomou uma série de medidas para tentar controlar a difusão de desinformação no segundo turno. O bolsonarismo reagiu acusando-o de parcialidade e ampliando os ataques à Justiça Eleitoral — usando até mais desinformação.

A Corte tomou três medidas na última semana para punir a onda de desinformação. A primeira, atendendo a um pedido da coligação de Lula, foi suspender a monetização de quatro grandes canais bolsonaristas no YouTube —Foco do Brasil, Folha Política, Brasil Paralelo e Dr. News — e impedir que as empresas que os administram impulsionem conteúdos sobre Lula ou Bolsonaro nas mídias sociais. A Brasil Paralelo sozinha gastou mais de R$ 700 mil em impulsionamento de conteúdos políticos apenas em outubro. Além disso, o TSE determinou o adiamento para depois da eleição do lançamento de um documentário da Brasil Paralelo sobre a facada em Bolsonaro.

As empresas que administram os canais impulsionavam propaganda pró-Bolsonaro ilegalmente, em muitos casos desinformativa, caracterizando abuso de poder econômico. Recebiam a monetização dos seus canais de YouTube e, com esses e outros recursos, pagavam para conteúdos de campanha — alguns deles falsos — ser mais distribuídos nas mídias sociais. Uma análise da disseminação desses conteúdos mostrou que havia orquestração no lançamento simultâneo de certos argumentos, difundidos com impulsionamento ilegal, depois adotados pela militância.

O TSE também deu direito de resposta a Lula pelo fato de a emissora Jovem Pan veicular seguidas declarações distorcidas e inverídicas contra ele — a maioria delas dizendo que era corrupto, o que é tecnicamente falso, porque as condenações de Lula foram anuladas. Por ser uma concessão, a Jovem Pan deveria seguir as regras eleitorais de equilíbrio na cobertura jornalística, mas o canal não disfarça o apoio a Bolsonaro.

A Jovem Pan tratou a decisão do TSE como “censura” e passou a noticiá-la reiteradamente repetindo os argumentos vetados dentro da reportagem. Uma lista elaborada pelo departamento jurídico da emissora com palavras a ser evitadas pelos apresentadores e comentaristas começou a circular em grupos de WhatsApp como se fossem palavras censuradas pelo TSE. O programa “Pânico” chegou a fazer uma encenação com um homem de terno no estúdio, dando a entender que era um censor do TSE.

A terceira medida do tribunal foi o julgamento de diversos pedidos de direito de resposta em inserções de TV, mudando a distribuição das propagandas gratuitas nos dias finais de campanha. O TSE deu direito de resposta a inserções que chamavam Lula de ladrão e corrupto e também a inserções que associavam Bolsonaro a canibalismo. Com os direitos de resposta concedidos, as inserções restantes ficam bastante desequilibradas. Originalmente, cada candidato teria o mesmo número de inserções no rádio e na TV. Com a decisão, Lula teria 170 a mais na TV. Bolsonaro recorreu, e o colegiado da Corte deverá tomar uma decisão definitiva hoje.

Os bolsonaristas reagiram ao endurecimento do TSE alegando parcialidade do tribunal e respondendo com uma incrível avalanche de mentiras.

O pastor André Valadão, da Igreja Batista da Lagoinha, que apoia Bolsonaro, gravou um vídeo que registrou mais de 5 milhões de visualizações dizendo que fora obrigado pelo TSE a se retratar de declarações contra Lula. Só que a decisão não existe — o tribunal nunca obrigou o pastor a se retratar.

Reportagem da agência de verificação Aos Fatos identificou uma ação coordenada dos bolsonaristas para difundir no Twitter o texto “comentário removido pelo Tribunal Superior Eleitoral”, para dar a entender que o TSE tinha determinado a exclusão de conteúdos, quando não havia nenhuma determinação do tipo. Os bolsonaristas estão inventando fatos para dar a impressão de que são censurados em toda parte pelo TSE.

A estratégia é muito preocupante porque os bolsonaristas dobram a aposta quando suas mentiras são punidas pelo TSE. Quando são condenados por mentir contra Lula, respondem mentindo contra a própria Justiça Eleitoral. Além da insubordinação à Justiça, essa estratégia mostra que os reveses no TSE serão usados para mobilizar a militância e ganhar votos, fazendo, da punição, recompensa. Se Bolsonaro perder, ela sugere também que, além de fraude nas urnas, os bolsonaristas alegarão que perderam no tapetão, com a Justiça Eleitoral favorecendo o candidato do PT.