Valor Econômico, v. 20, n. 4963, 19/03/2020.
Especial, p. A20
Europa debate distribuição de dinheiro para manter consumo
Assis
Moreira
Além dos pacotes bilionários anunciados por diferentes governos para ajudar
empresas a sobreviver aos efeitos da pandemia do coronavírus, outro meio de
sustentar a atividade começa a ser discutido na Europa: “dinheiro de
helicóptero”, ou seja, distribuir dinheiro diretamente às pessoas a fim de
reaquecer o consumo.
O Congresso americano
e a Casa Branca discutem uma forma de “dinheiro de helicóptero”, com US$ 1 mil
para cada americano, em resposta à crise do coronavírus. Na Europa, o debate
também prospera. “O dinheiro de helicóptero paira sobre a Suíça”, publicou ontem
o jornal “Le Temps”, de Genebra.
Diante da crise
sanitária, o objetivo seria sobretudo superar o estrago deflagrado pela baixa
de consumo e evitar que a economia se torne um campo em ruínas, com empresas
fechadas e desemprego em alta, uma vez que a pandemia tenha passado.
No rastro da crise
financeira global de 2008, o “dinheiro de helicóptero” também foi muito
debatido, mas a ideia não decolou.
Em fevereiro, Hong
Kong usou o recurso após manifestações de rua que levaram ao fechamento do
comércio e afetaram a economia de modo geral. Cada residente permanente de Hong
Kong com 18 anos ou mais recebeu uma doação de US$ 1.200 (em um pacote
total de US$ 15 bilhões) do governo para aliviar o fardo de indivíduos e
empresas, ao mesmo tempo em que busca preservar empregos.
A vizinha Macau teve
iniciativa semelhante, oferecendo cupons de compras. Cingapura anunciou no mês
passado que todo cingapuriano com 21 anos ou mais receberá entre US$ 100 e
US$ 300, dependendo de sua renda. Isso faz parte de um pacote para apoiar as
famílias a arcar com parte de suas despesas domésticas em meio à crise.
Economistas como
Alicia Garcia-Herrero, do banco Natixis, no entanto, criticam esse tipo de
iniciativa. “O plano de Hong Kong não é uma boa decisão política, porque
não é direcionado, foi para todo mundo, mesmo quem não precisa. Portanto, é
regressivo”, disse Alicia ao Valor.
Para ela, “pode-se
oferecer dinheiro imediato às famílias, mas seria muito melhor garantir ajuda
para cobrir pagamentos de dívidas (fundos de alívio de hipotecas) ou para um
consumo específico”. Alicia insiste que os fundos devem ser direcionados
àqueles com menos recursos, e não a todos. “Não se trata apenas de justiça, mas
também de eficácia. Se você não precisa do dinheiro, não o gasta, guarda-o.”
Em Madri, o principal
economista do banco BBVA para a América Latina, Enestor dos Santos, também
mostra reticência em relação ao “dinheiro de helicóptero”. “Entre outros
problemas, existe o risco de as pessoas preferirem poupar, em vez de gastar o
dinheiro ‘caído do helicóptero’ ou de gastar em coisas que tenham um baixo
retorno econômico e social”, diz.
Santos admite que, no
contexto atual, não há muito mais que a política monetária possa fazer, mas
acha que antes de se pensar em “dinheiro de helicóptero” valeria utilizar a
política fiscal de maneira mais ativa.
O professor Cedric
Tille, do Graduate Institute de Genebra, citado por “Le Temps”, diz que uma
questão é distribuir dinheiro às famílias e outra é se elas poderão
realmente consumir com o confinamento em vários países na Europa.
Clemens Fuest,
presidente do Instituto Ifo, em Munique, divulgou nota rejeitando na Alemanha
pagamento direto do governo a cidadãos como planejado nos EUA.
“Os EUA não têm um
sistema básico de seguridade social, como temos na Alemanha”, diz. “A maior
parte do apoio disponível para pessoas de baixa renda depende de estarem
empregadas. Mas é exatamente isso que a atual crise está massivamente reduzindo.”
Fueste diz que a falta
de um sistema de seguridade social nos EUA justifica o envio de cheques
para as famílias. “Mas não na Alemanha. Aqui, temos estabilizadores automáticos
eficazes, como subsídio de curto prazo e ajuda para desempregados ”, diz. “No
entanto, isso não ajuda a resolver problemas enfrentados pelos trabalhadores
independentes e provisórios da Alemanha. ”
Para ele,
investimentos públicos agora anunciados nos EUA não ajudarão durante a fase
aguda da crise, porque não poderiam ser implementados agora. “Mas eles ajudam
na recuperação econômica. Tendo isso em mente, é a hora de prepará-los. ”