Título: A mímica tática da euforia
Autor: Villas-Bôas Corrêa
Fonte: Jornal do Brasil, 10/11/2004, Opiniões, p. A11

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apelou para o velho truque de transformar a posse do vice-presidente José Alencar como ministro da Defesa na afirmação do seu ardente desejo de concluir o primeiro mandato, selando o fim da dicotomia entre civis e militares, para abafar o fuxico da crise militar que fermentou em silêncio durante meses. E que veio a furo com o incidente entre o ministro paisano, José Viegas, que saiu batendo a porta, sem o estrondo da má-criação e o comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, que contínua no cargo não se sabe até quando. As coisas começaram preocupantes com a divulgação das fotos de preso, nu, sentado no banco de madeira na câmara de tortura do Dói-Codi, ao tempo da ditadura militar e identificado, em engano já desfeito, como Wladimir Herzog. O que bastou para encerrar o assunto, sem outros esclarecimentos, na urgência de botar uma pedra em cima e mudar de conversa. Que o pior passara quando a publicidade iluminou o porão, todos os que lêem jornais, revistas ou assistem os noticiários nas TVs estavam fartos de saber. E o presidente poderia ter dispensado o acaciano fecho na manifestação da sua esperança de comemorar a união de paisanos e fardados antes de se lançar à campanha da reeleição.

Entre os muitos problemas sérios que atormentam o país e castigam a imensa maioria da população que não desfruta dos privilégios reservados aos petistas, certamente não se inclui a rivalidade entre civis e militares. Uma pinima amistosa sempre existiu, aqui e em todo o mundo. Mas, se há um momento em que as fardas e os blusões estão solidários nas mesmas reivindicações de salários e soldos é neste amargo período crítico, com os sinais inquietantes de falência múltipla dos três poderes no balanço da experiência democrática, iniciada em 15 de março de 1995, com a posse do vice José Sarney na Presidência da República, depois de quase 21 anos da Redentora.

Não há motivos para as saudáveis gargalhadas do temperamento otimista de Lula. Nem os resultados das eleições municipais, com as derrotas acaçapantes de São Paulo e Porto Alegre e muito menos o desempenho do governo justificam a alegria oficial.

A cada dia, nova e dura pancada na nossa auto-estima. A última, doída como murro no estômago, com o registro da nossa humilhante colocação, em 72° lugar entre 172 paises, no Índice de Desenvolvimento de Educação para Todos (IDE), organizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura (Unesco). Na América Latina ficamos com o 9° lugar, abaixo da Bolívia, do México, da Costa Rica, da Argentina, da Colômbia , do Panamá na lista dos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB), investidos em educação. São números da herança maldita de 2001 e 2002 do governo de FHC, mas como ressalva o ministro da Educação, Tarso Genro, ''não é a história do atual governo nem do anterior, mas de sucessivos os governos''. O que não chega a ser um consolo.

Enquanto se distrai com irrelevâncias, o governo marcha em acelerado para bater recordes históricos no desmatamento da Amazônia e da devastação ambiental onde sobrevivam esparsas manchas verdes. Os Indicadores do Desenvolvimento Sustentável do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) denunciam que a área devastada na Amazônia é crescente e atinge de 20 a 25 mil quilômetros quadrados por ano, o equivalente ao território de Sergipe.

Com o governo de braços cruzados e pés atados, enquanto desprestigia a ministra do Meio-Ambiente, Marina Silva - paralisada no gabinete sem recursos, entupido de petistas e perdendo todas os confrontos com os interesses dos poderosos grupos econômicos. Lá é verdade que o governo é fértil em lançamento de planos que não vingam, como sementes em vasos secos. Os 13 ministérios do mastodonte de Lula envolvidos no plano para estancar a desertificação na Amazônia cumpriram apenas 2% das 231 metas previstas para este ano. O índice do interesse oficial. E assim, o governo vai engambelando os simplórios e desatentos e esconde, atrás do biombo da mistificação, os erros e fracassos da administração oral e acéfala, a um mês e 20 dias da metade do mandato.