Valor Econômico, v. 20, n. 4963, 19/03/2020. Empresas, p. B1

CVM avalia prazo para realização de assembleias

Juliana Schincariol 



A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) analisa prazos para realização de assembleias em 2020, diante do avanço do novo coronavírus no Brasil. O regulador já foi procurado por companhias preocupadas com o assunto. Há chances de que a covid-19 atinja seu pico no país nas próximas semanas, justamente na época da realização das assembleias gerais ordinárias.

Pela lei das S.A., as reuniões de acionistas devem ocorrer até quatro meses após o fim dos exercícios sociais, e ocorrem em sua maior parte ao fim de abril. Questionada pelo Valor, a CVM informou que no momento avalia a situação.

A CVM não tem poder para dispensar o cumprimento de obrigações que decorrem diretamente da lei das S.A., mesmo em caso de força maior, dizem especialistas. O diretor-geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Pedro Melo, diz que estão em curso discussões sobre o assunto. “Há vários consultores legais e especialistas olhando para essa dinâmica, mas não temos situação formada ainda”, afirma.

Na Espanha, foram anunciadas medidas extraordinárias aplicáveis ao funcionamento dos órgãos de governo das empresas listadas em bolsa, com extensão de prazo de entrega de documentos como informes financeiros e de auditoria. As assembleias poderão ser realizadas dentro de dez meses do exercício social.

No Brasil, o artigo 132 da lei 6.404 estabelece que a assembleia geral ordinária deve ocorrer até 30 de abril. E a instrução 480 da CVM determina que a não observância desse prazo é considerada natureza de infração grave, sujeita a processo sancionador.

O economista e especialista em regulação financeira, Vicente Camillo, acredita que as companhias deveriam solicitar uma espécie de “waiver” (exceção) para a CVM pedindo o adiamento. “Com isso, o colegiado poderia comunicar novos prazos”, diz. Em 2019, a CVM analisou um pedido de interrupção de assembleia da BB Seguridade, que não foi aceito. Camillo acredita que poderia ser um precedente que indica uma possibilidade de adiamento. Na ocasião, o colegiado entendeu que o descumprimento incidental do artigo 132, que determina o prazo da realização das assembleias, não deveria ser impeditivo da determinação da CVM nesse sentido.

As áreas jurídicas e de relações com investidores das companhias abertas aguardam orientações do regulador. O Valor apurou que a assembleia da Vale está mantida para 30 de abril. Segundo fontes do mercado, não é descartada a possibilidade de propor uma medida provisória ao governo federal para prever algum tipo de mudança de prazo na lei.

A CVM não deveria punir companhias ou administradores em caso de atraso justificado da realização de assembleia, desde que decorra das restrições impostas pelas autoridades sanitárias ou de dificuldades relacionadas à pandemia do coronavírus, acredita o advogado Júlio Dubeux, sócio do escritório Veirano. “O momento é extraordinário e impõe cuidado das companhias e compreensão da autoridade reguladora. Não creio que a CVM vá punir uma companhia ou seus administradores que eventualmente se virem obrigados a atrasar uma assembleia por conta de dificuldades decorrentes da pandemia do coronavírus.”

Se o contexto melhorar, algumas alternativas como o boletim de voto a distância ou o pedido público de procuração poderiam viabilizar as assembleias com o menor número de pessoas possível. O quórum mínimo para instalação de assembleia é em regra de 25% dos acionistas com voto. Algumas deliberações dependem de presença de mais de 50% ou 66,66% dos acionistas com voto. Em caso de piora, mesmo usando esses mecanismos, será difícil realizar as assembleias. “O mercado aguarda orientação da CVM sobre o assunto. Todos querem cumprir os prazos legais e regulamentares, mas ninguém quer colocar as pessoas em risco”, diz Dubeux.