Valor Econômico, v. 20, n. 4963, 19/03/2020. Finanças, p. C1

Copom subestima deterioração de cenário, dizem economistas

Lucas Hirata
Lucinda Pinto
Victor Rezende
Sérgio Tauhata


A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) deixou ontem um sentimento de frustração entre economistas e gestores ouvidos pelo Valor. O corte de 0,5 ponto percentual da Selic foi visto como tímido ou cauteloso demais diante de um cenário que se deteriora rapidamente com o impacto econômico do coronavírus. Além disso, ficou a percepção de a autoridade brasileira não ter o mesmo senso de urgência de outros bancos centrais pelo mundo.

“Achei a decisão tímida demais e o BC aparentemente cortou a contragosto”, afirma o gestor do Opportunity, Marcos Mollica. E o problema nem é o tamanho do corte em si, mas a maneira como foi comunicado.

Para Mollica, “o ‘framework’ está se tornando obscuro e isso é péssimo para a credibilidade”. O gestor avalia as projeções de inflação da autoridade como “bastante irrealistas”. Para este ano, aponta o especialista, “o consenso está indo para baixo de 2,5%”.

De acordo com Mollica, o cenário que o colegiado está vendo não está claro. “Falar de política monetária mais potente? Neste ambiente? É o contrário. Os bancos centrais do mundo estão tendo dificuldade com os canais de transmissão tradicionais. ”

O sócio da Mauá Capital e ex-diretor de política monetária do BC, Luiz Fernando Figueiredo, também enxerga a resposta do país à crise, especialmente do ponto de vista cambial e monetário, ainda tímida demais. “Está na hora de o Banco Central usar todo seu arsenal, como outros BCs estão fazendo pelo mundo”, diz.

Figueiredo afirma que a situação atual exige atuação “expressiva” no câmbio e também um corte de juros de, pelo menos, um ponto. “O momento não é para brincar. A gente não deveria poupar esforços”, afirma. “A política monetária não resolve, claro que não. Mas tudo ajuda. E não é possível alguém que consiga fazer um pouco de conta, que entenda um pouco de economia, achar que o impacto [de um corte de juros] seja zero. ”

A deterioração das condições econômicas no curto prazo, com fechamento do comércio, shoppings e restrições de circulação, vai acabar levando o Copom a um novo corte, provavelmente de mais 0,5 ponto percentual, na visão da economista sênior da LCA Consultores, Thaís Zara.

Apesar de o comunicado sinalizar manutenção da taxa em 3,75% daqui para frente, “o BC se resguardou o direito de mudar a indicação com os cenários sendo revisitados dia a dia”. Para Thaís, as próprias projeções do Copom mostram espaço “para um corte mais agressivo” e “dada a deterioração rápida do cenário tanto lá fora quanto aqui, a gente acredita que vai ser necessária uma nova redução”.

O gestor na Occam Brasil, Pedro Dreux, tem a mesma interpretação: o cenário de atividade e de inflação deve se deteriorar acentuadamente nos próximos 45 dias, o que forçaria o Copom a promover um corte adicional de 0,50 ponto percentual na próxima reunião. “O mundo caminha para um ambiente desinflacionário, porque o choque [do coronavírus] foi muito forte, afirma.

O tom adotado pelo Copom no comunicado “não foi produtivo” e pode gerar ainda mais instabilidade no mercado de câmbio, avalia o chefe adjunto de estratégia para mercados emergentes da TD Securities, Sacha Tihanyi. O banco canadense espera que o dólar chegue ao fim do ano em R$ 5,50. “Embora o BC tenha declarado que vê adequada a manutenção da Selic, os dirigentes enfraqueceram isso ao propor que considerariam dados econômicos futuros quando estiverem disponíveis. Para nós, isso indica que o BC está tentando aliviar as taxas de juros de mercado sem perturbar ainda mais o real, que está sob pressão substancial. ”

A sócia e diretora de macroeconomia da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro, defende a cautela do BC. A especialista ressalta ter ocorrido elevação do risco no Brasil com o acirramento do conflito entre Legislativo e Executivo. De acordo com a executiva, “a gente já sabe do impacto do coronavírus, mas existe uma percepção de risco maior no país principalmente em relação ao ambiente político e ao andamento das reformas”.

Para Alessandra, não se trata tanto da redução dos juros, que tem atuação limitada para combater os impactos da pandemia. A queda da Selic “vai surtir efeito quando já tivermos sinais de contenção da pandemia”. No curtíssimo prazo, o BC tem de atuar com outras ferramentas e reforçar a liquidez. Para obter um efeito rápido, “outras medidas têm de ser acionadas, como liberação de compulsório”.