Valor Econômico, v. 20, n. 4964, 20/03/2020. Brasil, p. A2

Fraqueza do setor de serviços eleva chance de IPCA abaixo de 2,5% no ano

Arícia Martins
Victor Rezende 


Em meio à crise do coronavírus, economistas seguem cortando estimativas para a inflação deste ano, movimento que pouco responde à queda de 12% dos preços da gasolina nas refinarias anunciada ontem pela Petrobras. Segundo eles, as perspectivas para o aumento do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2020 têm viés de baixa devido à percepção de que o baque na atividade econômica será mais forte, o que deixa muito pouco espaço para reajustes.

“No cenário de hoje é impossível repassar qualquer aumento da taxa de câmbio aos preços”, diz Flávio Serrano, economista-chefe do banco Haitong, para quem os efeitos do choque da covid-19 serão desinflacionários, ao menos no curto prazo. Serrano prefere manter sua estimativa para a alta do IPCA no ano em 3% porque há uma maior incerteza para fazer projeções, principalmente após o IBGE suspender a coleta presencial de preços que compõem o indicador.

Mesmo com a ruptura temporária da série, a ser corrigida mais à frente quando a situação for normalizada, o viés para os indicadores ao consumidor no ano é de baixa, e não em função da forte queda do barril de petróleo, avalia Serrano. “Imaginando que entre três e quatro meses a situação se normalize, não esperaria que o petróleo fique nesse patama atual, nem o câmbio”, argumenta. O vetor que deve reduzir os preços, em sua visão, é o nível de atividade, que será mais negativamente afetado do que o previsto anteriormente. O banco chinês está em processo de revisão de suas projeções para Brasil, mas Serrano já espera que o PIB tenha variação perto de zero em 2020.

Ao considerar em sua estimativa que o movimento no setor de serviços terá redução mais drástica, Carlos Thadeu de Freitas Filho, economista-chefe da Ativa Investimentos, diminuiu em 0,2 ponto sua projeção para o aumento do IPCA este ano, a 2,3%. Se confirmada a expectativa, o indicador ficará abaixo do piso da banda de tolerância da meta, de 2,5%.

A estimativa para a inflação de serviços em 2020 passou de 3,1% para 2,6%.

Segundo Freitas Filho, os preços que mais devem ser afetados pela menor circulação de pessoas são os de passagens aéreas e recreação, mas serviços pessoais, como cabeleireiro, manicure e empregada doméstica, também vão subir menos. “É difícil cravar um número para os próximos três meses devido à interrupção das coletas físicas, mas como a tendência é de empobrecimento das pessoas e redução da demanda agregada, os preços em geral vão cair.” Ele destaca que seu cenário assume retomada da atividade no segundo semestre. Se isso não se concretizar, a inflação pode ser ainda menor.

Thiago Pereira, economista-chefe da Macro Capital, avalia que, embora o cenário econômico seja de difícil projeção no momento, já que depende da mudança de hábito das pessoas e do quanto tempo haverá de quarentena nas principais cidades do país, a atividade apresentará uma contração expressiva, em especial no segundo trimestre.

“Antes, projetávamos um crescimento de 0,8% este ano. Agora, vemos uma queda ao redor de 1,2% do PIB. Ainda é cedo para precisar esse número, mas o PIB do segundo trimestre pode apresentar a maior contração da história do país.”

Com base no cenário de atividade bastante fraca e tendo em vista os preços mais baixos do petróleo e o ambiente desinflacionário mundial, o economista também alterou sua expectativa para a inflação, de 2,9% para nível mais perto de 2,5%. “Isso seria perigoso, já que seria um número que flerta com o limite inferior da meta para este ano”, argumenta Pereira.