Valor Econômico, v. 20, n. 4964, 20/03/2020. Brasil, p. A3

Corte de salários atingirá mais atividade, dizem centrais

Thais Carrança 


A possibilidade de redução de jornadas e salários em até 50%, mediante negociação individual, anunciada na quarta-feira pelo governo como parte de pacote com a intenção de preservar empregos, pode atingir ainda mais a atividade econômica, já combalida pela restrição de circulação provocada pela crise do coronavírus, avaliam as centrais sindicais brasileiras.

A diminuição dos rendimentos dos trabalhadores formais, num momento em que os informais também devem ser fortemente afetados por este problema, pode ainda dificultar a retomada da economia, dizem os sindicalistas. Segundo eles, o ônus das medidas anunciadas pelo governo está desigualmente distribuído entre empresas e trabalhadores e a possibilidade de negociação individual dá espaço a oportunismo.

A proposta do governo será encaminhada via medida provisória ao Congresso, com efeito imediato, e duração enquanto vigorar o estado de calamidade, previsto para se estender até 31 de dezembro. A legislação trabalhista vigente já permite a suspensão temporária de contratos por até cinco meses, com salários pagos com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), e acordos para redução de jornadas e salários limitados a três meses renováveis e a até 25% do salário, sempre com intermediação sindical.

“O que temos que fazer é manter a renda dos trabalhadores para que a gente saia dessa crise com empregos protegidos, mas pensando na retomada da economia”, diz Sérgio Nobre, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT). “Reduzir salários dos trabalhadores vai na contramão do que o mundo está fazendo. ” Nobre lembra ainda que há outros instrumentos que podem ser utilizados pelas empresas em dificuldades financeiras antes da redução de salários, como o uso de férias vencidas e a vencer, de férias coletivas, de banco de horas, de licenças remuneradas e da própria suspensão temporária de contratos já prevista em lei.

Adílson Araújo, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), avalia que há desequilíbrio no tratamento de empresas e trabalhadores nas medidas anunciadas pelo governo. “Não podemos admitir de pronto que salários sejam reduzidos pela metade, enquanto para as empresas as medidas anunciadas são desonerações”, diz. “O problema é grave, mas os trabalhadores não podem ser os únicos a pagar a conta.” Miguel Torres, presidente da Força Sindical, reforça a importância de que as negociações para eventuais reduções de jornadas e salários sejam feitas através dos sindicatos. “A saída tem que ser coletiva, via sindicatos, para não ter oportunismo.”

A presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto, classificou como “precipitada e potencialmente nociva” a proposta de permitir que empresas cortem em até 50% a jornada e os salários de trabalhadores em meio ao avanço da pandemia de coronavírus. (Colaborou Isadora Peron, de Brasília)