Valor Econômico, v. 20, n. 4963, 19/03/2020. Legislação & Tributos, p. E1

Justiça reduz base de cálculo de contribuição previdenciária

Adriana Aguiar


Empresas têm recorrido à Justiça para não pagar contribuições previdenciárias e de terceiros (Sistema S e salário-educação) sobre valores descontados de funcionários a título de coparticipação em plano de saúde. Há decisões favoráveis aos contribuintes nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

Apesar de a Lei nº 8.212, de 1991, estabelecer que não incide contribuição previdenciária sobre o valor pago por plano de saúde (artigo 28, parágrafo 9º, alínea q), muitas empresas acabam não retirando a parcela descontada do trabalhador da base de cálculo. “Por erro ou por extremo conservadorismo, o contribuinte paga tais contribuições”, diz o advogado Gustavo Rezende Mitne, do escritório Balera, Berbel e Mitne Advogados.

As empresas decidiram ir à Justiça por receio de a Receita Federal criar obstáculos para a compensação ou restituição de valores pagos indevidamente. Em média, a recuperação é de uma folha de pagamento bruta por empresa, segundo cálculos realizados pelo escritório Balera, Berbel e Mitne Advogados. Ou seja, trata-se de um grande volume financeiro.

Uma das decisões foi proferida pelo juiz Rogério Volpatti Polezze, da 1ª Vara Federal de Guarulhos (SP). Pela sentença, a Locar Guindastes e Transportes Intermodais pode excluir contribuições previdenciárias, como Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), e de terceiros, como Incra, Sistema S e salário-educação. O magistrado ainda concedeu a compensação dos valores pagos nos últimos cinco anos (processo nº 5007207-52.2019.4.03.6119).

Na decisão, ele destacou que o artigo 28, parágrafo, 9º, alínea q, da Lei 8.212 já dispõe sobre a exclusão do salário-de-contribuição “do valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio da empresa ou por ela conveniado”. Para ele, a coparticipação já estaria contemplada por essa mesma previsão em lei. Pelo sistema, o trabalhador paga uma mensalidade (geralmente de valor reduzido) e um percentual sobre cada serviço realizado por meio do plano de saúde.

“Ou seja, por expressa disposição legal, a participação financeira do empregado beneficiado a título de assistência médica/plano de saúde em coparticipação não pode ser utilizada como base de cálculo para a incidência de contribuição previdenciária”, diz o juiz na sentença.

O mesmo, acrescenta, se aplica para o sistema “S”, “já que possuem a mesma base de cálculo das contribuições previdenciárias”. O juiz ainda cita na sentença decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que excluíram a contribuição previdenciária patronal sobre gastos com plano de saúde (REsp 1602619).

A decisão, segundo Gustavo Rezende Mitne, que assessora a empresa no processo, é um importante precedente, principalmente para as grandes empresas, com bons valores a receber. Para ele, a tese tem grande força por haver previsão expressa de que não incide contribuição sobre valores pagos por planos de saúde. A dificuldade, no entanto, segundo Mitne, é o cumprimento de todas as obrigações legais e acessórias para tal recuperação, quando houver decisão definitiva.

No Rio de Janeiro, a 8ª Vara Cível também concedeu a uma empresa de empreendimentos imobiliários, por meio de liminar, o direito de não incluir na base de cálculo da contribuição previdenciária patronal (artigo 22 da Lei 8.212) os valores descontados de seus empregados a título de assistência médica e odontológica. A decisão é do juiz federal substituto Márcio de França Moreira (processo nº 1006562-61.2019.4.01.3400).

O advogado Chede Suaiden, do Bichara Advogados, afirma que esse caminho ao Judiciário ganhou ainda mais força após a edição da Solução de Consulta Cosit n°4, de 2019. A norma estabeleceu que o valor descontado do trabalhador referente ao auxílio-alimentação faz parte de sua remuneração e não pode ser excluído da base de cálculo das contribuições previdenciárias, independentemente do tratamento dado à parcela suportada pela empresa.

Para o advogado, esse entendimento acendeu um sinal de alerta sobre a discussão sobre os valores pagos a título de coparticipação em plano de saúde. Contudo, Suaiden entende que há grandes chances no Judiciário para a tese sobre a exclusão do cálculo das contribuições previdenciárias de todos os valores descontados em folha que não tratam de remuneração. Além do plano de saúde, o que se paga de vale-refeição e vale-transporte.

Procurada pelo Valor, a Receita Federal preferiu não se manifestar. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informa, por nota, que “a Fazenda Nacional compreende que peculiaridades do sistema de coparticipação, em que a parcela paga pelo empregado é descontada da sua própria remuneração, impedem o reconhecimento da hipótese de não incidência pleiteada pelo contribuinte no caso em comento, não abarcada, especificamente, nem pela legislação que rege a matéria nem pelas decisões do STJ mencionadas na sentença”.