O Globo, n. 32585, 24/10/2022. Opinião, p. 3

Esperança na inspiração

Irapuã Santana


O tom adotado nestas eleições segue altíssimo e sem previsão de que diminuirá. De um lado se prega a batalha da democracia contra o autoritarismo; do outro, a liberdade contra a ameaça comunista. Em comum, os dois candidatos se apegam ao passado para se dizer melhor que o oponente, pedindo um amplo cheque em branco, usando o argumento de que, pelo menos, um não é o outro.

Eu, você e o Brasil merecemos mais que isso.

Baixarias e mentiras sempre existiram nas eleições. Em 1989, Collor acusou Lula de planejar confiscar a poupança dos brasileiros. Em 1994, Lula acusou o Plano Real de ser um mecanismo para enganar o povo e ter sido construído apenas para eleger FH. Em 2006, Lula inaugurou a acusação de que seus adversários eram nazistas.

Infelizmente, o tom vem subindo a ponto de abandonarmos as propostas e passarmos a nos atacar uns aos outros. É óbvio que não é saudável e que precisamos mudar urgente e radicalmente isso.

Como chegamos a este ponto porque, em grande parte, os eleitores incentivam os políticos a agir assim, devemos nos responsabilizar pelo atual momento. Todos se engajam numa campanha em que nem sequer sabemos que Brasil queremos para o futuro — muito menos o caminho mais adequado para atingir tais inexistentes objetivos.

Portanto é preciso pensar como desenhar um ambiente que possa funcionar em benefício da sociedade, independentemente de quem esteja com as cartas nas mãos, para que não dependamos da boa vontade de ninguém.

Mas, antes de enfrentar esse problema do incentivo, é urgente trazer duas questões para consideração, que estão contidas no Paradoxo de Condorcet e no Teorema de Arrow. Pela primeira tese, resumidamente, considera-se que a votação por maioria é eficiente apenas quando a disputa ocorre entre duas candidaturas. Entretanto, quando há mais concorrentes, as escolhas coletivas são naturalmente passíveis de um erro essencial, que pode resultar na vitória do candidato mais rejeitado pela totalidade do grupo. A segunda teoria diz que é impossível existir um desenho eleitoral perfeito, que não venha a ter risco de gerar o resultado exposto anteriormente.

Essas questões são importantes do ponto de vista democrático e de questionarmos a ideia de representatividade também. A conclusão que se tira disso é que a democracia tem suas falhas e precisamos estar preparados para o caso de elas ocorrerem.

Para que isso não se concretize, sugiro nos inspirarmos no movimento abolicionista, que foi capaz de unir o país em torno de uma pauta a tal ponto que o Império não pôde resistir. O povo foi levado pelo coração incendiado pelo desejo de combater uma grande injustiça e, mesmo dentro de uma estrutura completamente montada à custa da escravidão, foi exitoso para derrubar o regime.

Se, contra tudo e todos, fomos bem-sucedidos, hoje a missão se mostra muito mais fácil. Usando a tática de dar pequenos passos para chegar longe, com certeza, sairemos vitoriosos. Ao buscar pautas básicas e maciçamente comuns, o caminho da quebra do círculo vicioso que acomete o Brasil por tanto tempo poderá terminar, enfim.