Título: Ricos e com luz barata
Autor: Karla Correia
Fonte: Jornal do Brasil, 24/10/2005, Economia & Negócios, p. A19
A tarifa social de energia, subvenção do governo federal ao consumo de energia por famílias de baixa renda, está favorecendo consumidores da classe alta. O benefício destina em média R$ 581 milhões por ano para atender usuários com consumo até 220 kwh mensais. O que, em tese, compreenderia usuários tidos como baixa renda. Mas está beneficiando também casas de praia, chalés e moradores de flats, entre outros.
A conclusão é de um estudo divulgado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em agosto de 2003, pouco mais de um ano após a última reestruturação do benefício, mas só agora o Ministério de Minas e Energia montou um grupo de trabalho para reformular os critérios de enquadramento dos consumidores no programa.
Com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD), desenvolvida pelo IBGE, os técnicos do TCU consideraram inconsistentes os critérios utilizados pelo governo para definir o usuário de baixa renda. O baixo consumo pode ser uma característica comum a imóveis de alta renda, mas pouco utilizados, enquanto clientes com baixo poder aquisitivo podem ter consumo alto, pela necessidade de trabalhar em casa, afirma o estudo.
''É fácil perceber que existe um número razoável de residências de renda mais alta com consumo abaixo do limite e também de pessoas com baixa renda e consumo acima do limite. Assim, estão se beneficiando pessoas que não precisariam do subsídio e deixando-se de atender outras que necessitariam'', argumenta o relatório do tribunal, enviado ao Ministério de Minas e Energia em 2003, recomendando a reformulação dos critérios de inclusão no programa.
Entre as medidas que o ministério pretende adotar, está a contratação de uma empresa de consultoria para definir o perfil do consumidor de baixa renda e, a partir desse levantamento, construir novos critérios para a inclusão na tarifa social. Essa definição deve ser estabelecida por lei e precisará ser enviada ao Congresso, como projeto de lei ou medida provisória.
Segundo o diretor do Departamento de Gestão do Setor Elétrico do ministério, Nélisson Höewell, o principal fator que motivou a demora em remodelar os critérios de adesão à tarifa social foi a falta de confiabilidade dos cadastros dos programas sociais do governo. Até 2002, as distribuidoras de energia definiam, entre seus clientes, quais se enquadravam na categoria de baixa renda, obedecendo limites de consumo estipulados pelo governo federal.
A Lei 10.438, de 2002, manteve os descontos garantidos pela tarifa social aos consumidores de baixa renda e deixou por conta da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a definição dos critérios de inclusão nessa faixa. A agência estabeleceu que toda residência com consumo até 80 kwh mensais e ligação monofásica seria integrada ao benefício da tarifa social.
Também incorporou à tarifa subvencionada os consumidores que se encontram na faixa entre 81 kwh e 220 kwh, obrigados a comprovar que se enquadram na definição de baixa renda por meio de inscrição em programas sociais do governo federal. A comprovação seria feita pelo fornecimento do Número de Identificação Social, que a pessoa recebe quando adere a programas sociais.
Como a Aneel não tinha acesso aos cadastros do então Ministério da Ação Social, não havia como checar a veracidade dos dados fornecidos pelos usuários. A inclusão dos usuários até 220 kwh no benefício fez o número de consumidores incluídos no critério de baixa renda saltar de 8 milhões para 16 milhões. Em 2003, o governo tentou refinar a base de beneficiados, convocando os usuários, por carta, a se declarar como baixa renda. Ainda que a iniciativa tenha gerado um corte de 2 milhões de beneficiados, hoje esse número já está em 17 milhões.
- Além da dificuldade de comunicação entre os dois órgãos do governo, os cadastros eram muito pouco confiáveis. Mesmo diante da possibilidade de estar beneficiando quem não precisava, nós não podíamos simplesmente cortar usuários da tarifa social. A probabilidade de eliminar quem realmente precisava do benefício era grande - conta Höewell. Em conseqüência, o prazo para a autodeclaração dos usuários foi sendo alongado e dura até hoje.
Como resultado, só em 2004 foram gastos R$ 1,1 bi no suporte à subvenção da tarifa. Os recursos são provenientes da Conta de Desenvolvimento Energético. Esse fundo é responsável pelo subsídio ao carvão mineral que abastece as termelétricas da Região Sul e pela construção de gasodutos e é a fonte principal do programa Luz para Todos, de universalização do acesso à energia elétrica.
- É um montante considerável de recurso, que ao invés de ser investido na ampliação do acesso à energia elétrica, beneficia quem não precisa dele - lamenta Höewell.