O Globo, n. 32585, 24/10/2022. Política, p. 4

Desobediência armada

Aguirre Talento
Paula Ferreira
Jan Niklas
Paolla Serra


O ex-deputado federal Roberto Jefferson foi preso ontem pela Polícia Federal depois de um cerco que durou oito horas em frente à sua casa, em Comendador Levy Gasparian (RJ). Descumprindo a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinava a conversão da prisão domiciliar em regime fechado, Jefferson se negou a receber os agentes, contra quem atirou de fuzil e lançou granadas — dois ficaram feridos, mas sem gravidade. Pouco depois das19h, o ex-parlamentar, presidente afastado do PTB, se entregou e foi levado para a Superintendência da PF no Rio, numa viatura da corporação, seguido por um comboio da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope). A negociação para a rendição foi acompanhada pelo ministro da Justiça, Anderson Torres, por determinação do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Jefferson teve o retorno à cadeia decretado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, que considerou que o ex-deputado desobedeceu medidas cautelares impostas no momento em que seguiu para a detenção em casa, em janeiro. Por ter atirado contra os policiais, ele também foi preso em flagrante por dupla tentativa de homicídio. Os agentes cumpriram ainda mandados de busca e apreensão.

O GLOBO apurou que o setor de inteligência da PF detectou informações de que Jefferson pretendia esperar até terça-feira, prazo limite para prisões em flagrante às vésperas das eleições, para tentar tumultuar o processo eleitoral.

As imagens mostram pelo menos 20 tiros na parte dianteira da viatura da Polícia Federal, distribuídos entre o teto e o vidro blindado do veículo, que passou por uma perícia, etapa que vai determinar a quantidade exata de disparos. Agentes da PF que participaram da ação afirmaram que Jefferson chegou a trocar o carregador da arma enquanto atirava e teria usado mais de uma granada. Um policial destacou que um carregador de fuzil comporta 50 projéteis.

Moraes fundamentou a prisão de Jefferson alegando que ele passou orientações a correligionários do PTB, concedeu entrevistas e compartilhou notícias falsas via redes sociais. No episódio mais recente, que gerou manifestações de repúdio nos meios político e jurídico e foi o estopim para a prisão, o ex-parlamentar atacou a ministra Cármen Lúcia, do STF, com xingamentos machistas e misóginos. Ele a comparou a uma prostituta devido a seu posicionamento em decisões que puniram a emissora Jovem Pan por não dispensar tratamento isonômico aos candidatos à Presidência.

“Está largamente demonstrada, diante das repetidas violações, a incapacidade das medidas cautelares de cessar a ação de Jefferson, o que indica a necessidade de restabelecimento da prisão”, escreveu Moraes.

‘Saiam, que vou pegar vocês’

O ministro cita no despacho também um áudio em que Jefferson orienta integrantes do PTB, uma entrevista à Jovem Pane vídeos com notícias falsas sobre o Poder Judiciário e ataques a ministros do STF — em um deles, diz que Moraes é “chefe da milícia judicial”.

Preso desde agosto de 2021, por divulgar vídeos que, no entender do STF, atacavam os poderes da República e o Estado Democrático de Direito, no âmbito do inquérito que apura a ação de milícias digitais, em Jefferson teve a prisão preventiva convertida em domiciliar em janeiro. Na ocasião, a Justiça determinou cinco medidas cautelares que deveriam ser cumpridas por ele: uso de tornozeleira eletrônica; proibição de qualquer comunicação exterior incluindo uso de redes sociais próprias ou de outras pessoas; proibição de receber visitas sem autorização judicial (exceto de familiares); proibição de conceder entrevista a menos que seja autorizado pela Justiça; e proibição de se comunicar com outros investigados no inquérito que apura a existência de milícias digitais antidemocráticas.

Enquanto se recusava a cumprir a ordem judicial, Jefferson gravou vídeos, distribuídos por aliados via aplicativos de mensagens, em que reconhecia o ataque aos agentes e dizia que não iria se entregar. “Não atirei em ninguém para pegar. Foi no carro, perto deles. Falei: ‘Saiam, que vou pegar vocês’”, disse. As imagens mostram, via circuito interno de câmeras, policiais do lado de fora da casa. Filha do parlamentar, a ex-deputada Cristiane Brasil pediu nas redes sociais que apoiadores se dirigissem aos arredores da residência para demonstrar apoio a Jefferson — havia um grupo em torno de cem pessoas no local, entre apoiadores e moradores curiosos com a movimentação .“Meu pai não atirou em ninguém. O policial foi atingido apenas na troca de tiros por estilhaços de bala”, acrescentou a ex-deputada no Twitter. A conta dela foi derrubada depois, por determinação da Justiça. Em outro vídeo disseminado via WhatsApp, um amigo de Jefferson, não identificado, disse que estava na casa e que o objetivo seria tirá-lo dali em segurança.

A PF também vai investigar como Jefferson, que estava sob o regime de prisão domiciliar, conseguiu ter armas de grosso calibre em casa, ainda que tenha registro de Colecionador, Atirador e Caçador (CAC). Um decreto de 2019 assinado por Bolsonaro também proíbe o armazenamento em casa de produtos de controle exclusivo do Exército, caso de granadas.

À noite, o ministro da Justiça, Anderson Torres, usou as redes sociais para comentar a prisão de Roberto Jefferson. Ele chamou o ex-parlamentar de infrator, disse que os fatos são graves e prestou solidariedade aos policiais feridos na operação e à ministra Carmem Lúcia.

“Nesse momento, eu gostaria de me solidarizar com os policiais federais, machucados nesse evento. Graças a Deus, todos estão bem. Voltando um pouco na linhas do tempo, me solidarizar com a ministra Cármen Lúcia, que foi ofendida por esse infrator ”, disse, em vídeo gravado da delegacia de Juiz de Fora (MG), de onde acompanhou o caso.

Também à noite, em nota, a Polícia Federal informou que a prisão foi cumprida “após intensa negociação entre a Polícia Federal e o investigado, que ofereceu resistência inicial ao cumprimento da decisão judicial com o uso de arma de fogo e explosivos”, O texto dizia ainda que a perícia técnica criminal já estava trabalhando na casa de Jefferson e nos arredores.