Título: Cozumel conhece o Wilma
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 22/10/2005, Interncional, p. A8

Avançando lentamente, furacão de categoria 4 atinge ilha paradisíaca

PLAYA DEL CARMEN, MÉXICO - O olho do furacão Wilma atingiu ontem a ilha de Cozumel, no México, ainda na categoria 4 na escala de Saffir-Simpson (que vai até 5). A área, muito procurada por mergulhadores, foi castigada por ventos ferozes de 230 km/h e chuvas que derrubaram árvores e postes. Milhares de turistas e moradores apreensivos ficaram amontoados em abrigos. Antes, no balneário de Cancún, ondas poderosas tragaram as praias de areia clara, cartão postal turístico da região. Com mais de 50 km de diâmetro, o olho se deslocava a apenas 2 km/h (10 km/h a menos que o Katrina). É o pior cenário possível para os especialistas:

- O Wilma ficará sobre a península de Yucatan por 24 horas. Além disso, a circulação se dará sobre a terra, o que é terrível para o México - afirmou o diretor do Centro Nacional de Furacões (CNH), em Miami, Max Mayfield. - Ele se enfraquecerá quando voltar ao Golfo em direção aos EUA - completou. A previsão até ontem era a de que a Flórida seria alcançada na madrugada de hoje para amanhã. A questão é que a baixa velocidade de deslocamento impede que os cientistas façam cálculos mais precisos de sua rota.

Na ilha, as ruas, desertas, começaram a ficar alagadas no começo da tarde. Turistas que não conseguiram deixar a cidade tentavam avisar os parentes.

- Estou bem, estou bem, não se preocupem! - dizia o italiano Manuel Sanilli, gritando no telefone para tranqüilizar sua família em Roma. - Mãe de Deus! Estão todos rezando por mim de lá - afirmou após desligar.

Em toda a Riviera Maya, palmeiras tropicais tombavam. O fornecimento de energia elétrica foi cortado. Sinais de trânsito eram jogados de um lado para o outro. Placas foram derrubadas.

- O barulho do vento é assustador - afirmou Rossy Mischne, que acabou ficando presa no hotel de Cozumel onde trabalha.

Outras descrições davam mais detalhes do que acontecia na cidade.

- Telhas metálicas dos tetos estão voando por toda parte. Muitas árvores e palmeiras já caíram, bem como os sinais. Há cabos rompidos em vários pontos - contou Julio Torres, voluntário da Cruz Vermelha de Cozumel. - Nem os veículos de emergência podem sair, tal é a força do vento - completou.

Além dos efeitos diretos, o furacão, que matou 10 pessoas no Haiti, pode provocar chuvas torrenciais no Sul do México, aumentando riscos de deslizamentos e de danos às plantações de café em áreas já atingidas pelo furacão Stan neste mês. Autoridades dizem que 20 mil turistas estão em abrigos em terra firme ao Sul de Cancún. Outros 12 mil continuam na cidade. Em um ginásio de esportes 1.600 delas estavam em colchões, alimentando-se de comida enlatada e suando em meio a um calor infernal, já que não há eletricidade para fazer o ar condicionado funcionar. Alguns temiam que as paredes não resistissem ao vento.

- Gostaria de poder sair daqui. Isso é frustrante - afirmou o britânico Rob Stevens. - Viemos de longe e agora estamos em um lugar quente, úmido e cheio de vazamentos. E ninguém parece saber por quanto tempo teremos de ficar - acrescentou.

A mesma sensação tinha o casal de americanos Scott e Jamie Stout, que passava a lua-de-mel numa quadra de basquete sob um teto cheio de goteiras.

- Depois de mais um dia aqui, acho que as pessoas vão começar a ficar malucas. As coisas ficarão bem ruins - dizia Scott, de 26 anos. Embora mal acomodado, o casal ainda teve sorte no abrigo onde ficou. Outros, como Devon Anderson, de 21 anos, dividiam dez salas numa escola de Cozumel com 200 americanos.

- Estamos todos dormindo no chão. E não há comida nem água - reclamou Anderson.

No Hotel Xbalamque, em Cancún, Becky Hora, 37 anos, observava as águas invadindo o lobby enquanto o vento uivava e não escondia a apreensão.

- É horrível, pensei que o pior já havia passado e agora descubro que é só o começo. É difícil manter a calma - avaliou.

Ronnie Croley, de 46 anos, lembrava das coincidências. Teve a casa atingida pelo furacão Katrina, depois trabalhou para reconstruir uma fábrica parcialmente destruída pelo Rita.

- Era para ser um descanso, mas aqui estamos outra vez.

Mais de 50 mil pessoas foram transferidas. Centenas de operários da construção civil foram levados das obras para prédios de alvenaria em Playa del Carmen. Na sala de um jardim da infância, 50 homens sentados no chão em um espaço pequeno demais para que pudessem se deitar comiam atum em lata com a mão.

- Isso é uma porcaria - reclamava Juan Cruz Perez, 21 anos