Valor Econômico, v. 20, n. 4964, 20/03/2020. Política, p. A6

Agronegócio vê ataque gratuito ao maior parceiro
Fernando Lopes
Luiz Henrique Mendes
Rafael Walendorff 


Uma manifestação infeliz e inconsequente, que ameaça desnecessariamente as relações comerciais entre Brasil e China e o ritmo de abertura de novos mercados para produtos brasileiros no país asiático. Foi assim que produtores, agroindústrias e políticos ruralistas encararam a declaração de quarta-feira do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que culpou a China pela pandemia de coronavírus.

Longe dos microfones, alguns representantes do setor de agronegócios pegaram pesado com o filho do presidente Jair Bolsonaro e chegaram a xingá-lo. Mesmo em “on” o tom foi de irritação. A manifestação de Eduardo, em uma rede social, foi considerada um ataque gratuito ao maior parceiro comerciais do país, principal destino dos embarques brasileiros do setor.

Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) compilados pelo Ministério da Agricultura, no período de 12 meses encerrado em fevereiro a China absorveu 32,2% das exportações setoriais, ou US$ 30,8 bilhões. O país compra do Brasil sobretudo soja em grão e carnes, mas a pauta inclui dezenas de produtos e a intenção da cadeia produtiva é ampliá-la cada vez mais.

Como a peste suína africana continua a causar muitos problemas à oferta chinesa de proteínas, não se espera que as compras de carnes brasileiras caiam no momento por causa de Eduardo Bolsonaro. O mesmo raciocínio vale para a soja, cujas compras da China já estão menores em consequência da peste suína, que diminuiu a demanda por rações naquele país, e, em menor medida, pelo armistício na guerra comercial entre Washington e Pequim.

“Os chineses estão muito sensíveis a esse tema e esse imbecil [Eduardo Bolsonaro] quer importar a narrativa de Donald Trump em tempos eleitorais para o Brasil”, afirmou um dos cardeais do agronegócio brasileiro. Outras quatro fontes ouvidas pela reportagem se referiram a Eduardo Bolsonaro com o mesmo adjetivo - pelo menos três dessas fontes votaram em Jair Bolsonaro, que teve amplo apoio do setor de agronegócios nas eleições.

Todas as pessoas ouvidas aprovaram o posicionamento do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que pediu desculpas à China em nome da Casa, e cobraram postura semelhante do Itamaraty e do próprio presidente Bolsonaro.

Em comunicado, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que reúne

285 congressistas, afirmou que quer manter “no mais alto nível” as relações bilaterais entre Brasil e China, e que “declarações isoladas não representam o sentimento da nação ou de qualquer setor”. “Fica aqui também o nosso profundo desejo de união para combatermos o novo coronavírus juntos, sem maiores prejuízos à vida humana e às relações internacionais", diz a nota.

“A credibilidade da mensagem está ligada à pessoa que a emitiu. Não vamos dar importância a isso, não vamos valorizar esse fato”, disse o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), presidente da FPA, ao Valor. Alguns deputados se movimentavam para convocar a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em busca de explicações sobre a manifestação de Eduardo Bolsonaro. Procurada, a Pasta informou que não iria se manifestar sobre o assunto.

“Em um momento como este, é natural que se tente achar culpados. Mas o momento é de achar respostas, de olhar para a frente. A China é um grande comprador de commodities agrícolas do Brasil e de outros produtos, até de petróleo da Petrobras. Temos que achar a solução para o vírus e acelerar as reformas econômicas. Ninguém pode olhar para o seu curral eleitoral agora. Tem que estar todo mundo unido, esquecer a briga ideológica e buscar soluções”, afirmou um grande usineiro.

No segmento de carnes, que tem na China a mais importante fronteira para suas vendas no exterior, as declarações do filho “03” do presidente da República geraram perplexidade, revolta e declarações impublicáveis. Além dos problemas já citados, disse uma das fontes do segmento ouvidas pelo Valor, a manifestação de Eduardo escancara a falta de lideranças no país. “Nossa situação é patética”, acrescentou o empresário, que exporta à China.

Outro grande empresário até tentou amenizar o caso, argumentando que não se pode esperar muito de Eduardo Bolsonaro. “Nem dei muita bola. Esse cara só fala bobagem”, disse ele. Mas esse “desdém” não significa tranquilidade total, sobretudo pelo peso chinês em seus negócios.

O país asiático é o principal destino das exportações de carne bovina e suína do Brasil, e é um dos maiores compradores da carne de frango. No último ano, a China desembolsou cerca de US$ 4,5 bilhões para comprar carnes do país, 27% da receita dos exportadores, conforme dados do Ministério da Agricultura.

Para um dirigente experiente em negociações com importadores de carnes, a dura resposta a Eduardo Bolsonaro do embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, não foi um fato isolado. No país asiático, representantes brasileiros confirmaram que o Ministério da Agricultura da China também recebeu “muito mal” o tuíte do filho do presidente. “O clima piora e o chinês é muito ligado nisso”, disse.

O alento é que, no curto prazo, ninguém acredita que haverá impacto. Diante dos problemas com a peste suína, a China não pode prescindir da carne brasileira. No ano passado, os chineses habilitaram dezenas de frigoríficos brasileiros para vender ao país e ajudar a suprir a escassez de proteína. A peste suína provocou uma redução de 40% no rebanho do país - antes da doença animal, em 2018, a China respondia por 50% da produção e do consumo mundial de suínos. No longo prazo, contudo, represálias chinesas não estão descartadas.

Para o consultor e ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral, as consequências comerciais de um eventual conflito com a China vão depender, em boa medida, do posicionamento que o Brasil adotará oficialmente perante as declarações de Eduardo Bolsonaro. Mas, na avaliação de Barral, o tema não merece ser “escalado”, pois o país já vive uma crise econômica instalada. (Colaboraram Marina Salles e Camila Souza Ramos)