Título: Polêmica em edição de relatório sobre Hariri
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Fonte: Jornal do Brasil, 22/10/2005, Internacional, p. A12

Nomes de sírios foram suprimidos de documento da ONU

NOVA YORK - Como se o relatório do promotor alemão Detlev Mehlis incriminando autoridades sírias e libanesas pelo atentado que matou o ex-premier do Líbano, Hafik Hariri, já não fosse bombástico o bastante, um novo furor tomou a ONU ontem. Descobriu-se que o próprio Mehlis mandou editar partes do trabalho, suprimindo nomes, enquanto o entregava ao secretário-geral do organismo, Kofi Annan - que prometera que o documento não sofreria alterações.

No original, o polêmico trecho revela que ''uma testemunha de origem síria, residente no Líbano'' contou que Maher Assad, irmão do presidente sírio Bashar al Assad, e o cunhado do líder, general Asef Shawkat - além dos oficiais da Inteligência síria em Beirute, Hassan Khalil, Bahjat Suleyman e Jamil al Sayyed - estão entre as autoridades que ''decidiram assassinar Hariri, em meados de setembro de 2004.

''A testemunha sustenta que Sayyed viajou várias vezes para a Síria, a fim de planejar o crime. Uma das reuniões aconteceu no Hotel Meridian, em Damasco. Várias, no palácio presidencial e no escritório de Shawkat. O último encontro foi na casa de Shawkat, de 7 a 10 dias antes da explosão'', dizia o relatório, classificando a testemunha como uma pessoa ''bastante próxima das autoridades sírias no Líbano''.

Na versão alterada, a que provavelmente Annan entregou, sete horas depois da reunião, ao Conselho de Segurança - para discussão na terça-feira -, todos os nomes foram apagados, exceto o de Shawkat. Sayyed passou a ser descrito como ''uma importante autoridade de segurança no Líbano''. A ''fraude'' foi desmascarada por outra versão do relatório, que circulou na ONU ontem. Esta detalha precisamente o processo computadorizado de edição, identificando o que foi deletado e a que horas. Sabe-se que os nomes foram apagados no momento em que o promotor alemão se reunia com Annan, na quinta-feira.

- As mudanças foram feitas pela minha equipe, sob minha direção e são minha responsabilidade. Ninguém de fora as influenciou. Nenhuma foi sugerida por Annan - assumiu Mehlis, que decidiu pela edição quando ''soube que o documento se tornaria público''.

O embaixador americano na ONU, John Bolton, advertiu que a polêmica em torno da edição do relatório sobre a execução de Hariri está desviando a atenção para o que é mais importante: ''a clara evidência de que a Síria tem suas autoridades de Inteligência implicadas no crime''.

- A essência da narração não muda, não importa qual versão tenhamos nas mãos - defendeu Bolton.

No olho do furacão, o governo de Damasco, que negou todas as acusações, aguarda com ansiedade e tensão a reunião do Conselho de Segurança.

- Pode ser mais um prego no caixão do regime e do Partido Baath, já isolado internacionalmente - afirmou o alemão Volker Perthes, diretor do Instituto para Assuntos Internacionais e de Segurança e especialista em Síria.

Os EUA, que acusam o presidente Assad de apoiar a insurgência sunita no Iraque e grupos militantes palestinos, preparam o terreno para impor sanções econômicas aos sírios. O presidente Bush, inclusive, pediu ontem que ''o Conselho de Segurança se reúna o quanto antes''.

- É um relatório extremamente perturbador - disse.

Mas os países da União Européia estão relutantes. Querem que, antes da adoção de medidas drásticas, uma Corte internacional prove as acusações de Mehlis. E temem ainda que um colapso baathista em Damasco provoque uma convulsão civil como a do Iraque.

- Qual seria a estratégia da ONU em caso de queda do regime? - questiona Nadim Shehadi, analista libanês da London's Chatham House