O Globo, n. 32586, 25/10/2022. Política, p. 6

TSE vai monitorar Carlos e Janones até eleição

Mariana Muniz
Marlen Couto


Considerados generais digitais das duas campanhas que travam uma guerra suja na internet no segundo turno das eleições presidenciais, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos) e o deputado federal mineiro André Janones (Avante) ficarão na mira do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até a véspera da votação decisiva, no domingo. O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, determinou ontem que o TSE monitore diariamente os perfis nas redes do vereador, filho do presidente Jair Bolsonaro (PL), e do deputado, aliado do ex-presidente Lula (PT), para identificar disseminação de conteúdo desinformativo.

Na decisão, Gonçalves fez uma espécie de radiografia dos métodos dos dois políticos que exercem papel central na mobilização digital dos dois candidatos, revelando uma anatomia parecida em ambas as estratégias. No parecer, fez até uma análise semiótica e apontou “espelhamento” das condutas de Carlos e Janones.

O ministro determinou que o trabalho seja feito pela Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE até sábado. Caso os fiscais identifiquem material que já havia sido objeto de decisão judicial para remoção ou direito de resposta, os perfis de ambos serão suspensos até a segunda feira, dia seguinte ao da eleição. Embora atuem em várias plataformas, o magistrado delimitou a fiscalização ao Twitter e ao Telegram, onde há evidências de “uso intenso de conteúdo desinformativo”.

‘Efeito underdog’

Segundo o ministro, o comportamento de Janones e de Carlos nas redes “possui muitos aspectos similares, seja no que diz respeito à legítima atividade de organização da militância, seja na difusão de conteúdos falsos ou gravemente descontextualizados, na persistência do uso de termos chave para reativar os efeitos dos conteúdos removidos e na estratégia mobilizar seguidores a compartilhar conteúdos para tornar inócua eventual decisão da Justiça Eleitoral”.

Um dos pontos enfatizados é o de que as postagens dos dois “são feitas sabendo que o teor é, ou tende a ser, alvo de ação judicial”. A estratégia seguida é, segundo Gonçalves, insuflar os seguidores a espalhar o material rapidamente como forma de alcançar o maior impacto possível, ainda que sejam obrigados a retirar o conteúdo.

“O efeito colateral pode ser ainda mais danoso: a deslegitimação prévia das decisões, antes mesmo de serem proferidas ”, escreveu Gonçalves.

Para o corregedor, um dos principais artifícios de Carlos e Janones para gerar engajamento é disparar um “senso de urgência” em suas audiências, introduzindo a ideia de que “algo precisa ser feito” antes de suposta censura. Assim, fortalecem laços de empatia, no chamado “efeito underdog ”. O termo usado no Marketing e na Ciência Política é associado a uma identificação gerada por quem é mais fraco ou está em situação desfavorável.

“Uma postagem em que já se anuncia que, em breve, poderá ser censurada tende a obter maior engajamento dos seguidores, motivados que ficam a, com o compartilhamento massivo, impedir a ‘injustiça’”, descreve Gonçalves.

Outra estratégia identificada pelo ministro é que Janones e Carlos usam termos-chave associados a mensagens falsas ou descontextualizadas sem reproduzir a íntegra de conteúdos alvos de decisões judiciais, contribuindo para o que o magistrado chama de “desordem informacional”. É nesse ponto que recorre à semiótica, campo de estudo de diferentes formas de significação:

“Somos perfeitamente capazes de extrair significados de palavras, símbolos, imagens, vídeos. Conseguimos conectar um recorte a outras mensagens já assimiladas, pois compreendemos seu contexto. Esses aspectos, intangíveis, são fortemente explorados na comunicação política, não se tendo dúvidas que tanto André Janones quanto Carlos Bolsonaro, com a experiência e habilidade acumuladas, estão cientes de que nem só por frases literais e completas se transmite uma mensagem. No entanto, ambos buscam afastar esses elementos do horizonte de análise das ações em que são investigados”.

De acordo com o corregedor, uma simples visita aos perfis dos dois permite perceber a forte influência deles sobre a disputa eleitoral, diferentemente da alegada modéstia que manifestam. Gonçalves diz que as postagens “alcançam rapidamente milhares de interações, consolidando a relevância dos influenciadores”.

Ontem, Janones postou no Twitter uma foto em que aparece atrás de uma mesa simples com um celular dizendo ser aquela sua “estrutura milionária”. Ele se disse disposto a abir mão de sigilos fiscais, bancários e telefônicos e desafiou Carlos a fazer o mesmo. O filho do presidente ironizou o monitoramento do TSE e passou o dia publicando denúncias contra Lula na rede.

No monitoramento, o TSE fará impressões das postagens diárias dos dois e indicará conteúdos que já foram objeto de decisão do TSE. O ministro determinou a elaboração de cinco relatórios. O primeiro, hoje, considerará posts a partir dodia22.Oúltimocompreenderá postagens entre 28 e 29.

Mais suspensões

No fim de semana, o TSE negou oito pedidos de resposta, seis do PT e duas do PL. Ontem, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, mandou remover postagens de Janones que apontaram Roberto Jefferson, preso no domingo após atirarem policiais federais, como um dos coordenadores informais da campanha de Bolsonaro. Moraes aceitou o argumento do PL de que os posts eram descontextualizados e previu multa de R$ 100 mil em caso de reincidência.

Também ontem, a ministra Maria Isabel Gallotti, do TSE, suspendeu a propaganda da campanha de Lula que associa Bolsonaro à pedofilia com base no episódio em que ele disse que “pintou um clima” com meninas venezuelanas. A ministra avaliou que a peça traz falas descontextualizadas e usa subterfúgio para mencionar o caso, o que já tinha sido vedado por Moraes.