Título: Além do Fato: Entre mortos e feridos
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 22/10/2005, Rio, p. A15

Estou deprimido.

Domingo sempre foi um dia chato.

Estou com vontade de me matar. Mas como? Amanhã não vai dar. Dia de votar no Referendo do Desarmamento. Dia do plebiscito. Eu odeio comprimidos.

Confuso, confuso.

Pensei, repensei. E pum! Direi não à proibição, é isso. Cheguei à conclusão: sem armas, como iremos nos defender da polícia? O que serão dos nossos jornais sem sangue? E da desgraça na televisão? A melhor arma é o controle remoto.

Outro dia, apertando um canal, vi um depoimento do João Kleber. Ele dizendo sim ao desarmamento. Logo ele, rei da baixaria. O que tem de apresentador-franco-atirador! Campeões de audiência e da demagogia. Tudo por causa do ibope. Ao pobre o horário nobre. Sempre.

E a Sessão da Tarde, como fica? Sem tiroteios, o que será da nossa Tela Quente? E o Big Brother? Quem vai para o paredão? O circo está armado. Hoje tem marmelada. Quem nos salvará se o Redentor está rendido?

É proibido proibir. O negócio é liberar tudo. Droga apreende-se na escola. Aqui, juiz que rouba juiz tem cem anos de perdão. Se der um tiro de canhão, não fica um, meu irmão. Estou do lado dos bandidos.

Epa, epa! Explico, antes que me atirem a segunda pedra. Pensei em votar em branco, mas em branco eu não voto. Quem já ouviu falar em colarinhos pretos? Por que ninguém, no Brasil, ouve o outro lado da moeda? Que moeda? Tanta gente à míngua e à miséria.

Chega!

Os negros são as maiores vítimas da violência brasileira. Não quero dizer que os negros são heróis. Nem os únicos suspeitos. Também não quero, aqui, engatilhar nenhuma bandeira. Aspas: ''Se todos derem as mãos, quem sacará as armas?''. Acabei de receber essa frase por e-mail, atribuída ao Bob Marley.

Eta danado!

Repito: o furo é mais embaixo. Para cada justiça lenta, uma violenta. E assim corre a humanidade. Atrás da felicidade que a publicidade nos vende a cada hora. Rolex para todo mundo, carro-forte e carro do ano. De quem é a culpa, mano, me oriente.

Neste domingo, estarei deprimido. Entre mortos e feridos, juro que não sou inocente.

Autor, entre outros, do livro de contos Angu de Sangue (Ateliê Editorial) e do recém-lançado Contos Negreiros (Editora Record)