O Globo, n. 32586, 25/10/2022. Política, p. 9

Bolsonaro agora afirma que vai negociar fim do orçamento secreto

Alice Cravo


Em uma guinada em seu discurso, o presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que pretende negociar no próximo ano a “extinção” do orçamento secreto, caso seja reeleito no próximo domingo. As emendas de relator se tornaram um dos principais mecanismos para o governo aprovar pautas no Congresso, sedimentaram a aliança de Bolsonaro com o Centrão e foram fonte de acusações de corrupção, tema amplamente explorado pela campanha do ex-presidente Lula.

Em entrevista ao portal Metrópoles, o chefe do Executivo reclamou que perde poder com o orçamento secreto, já que a distribuição das verbas fica a cargo do Legislativo.

— Com o novo Parlamento, que ficou muito mais para a centro-direita, eu pretendo negociar no ano que vem, se eu for reeleito, obviamente, a extinção desse dito orçamento secreto. É um desgaste para todo mundo, e quem está pagando a conta sou eu. Eu não tenho acesso a isso. Eu queria ser dono desse orçamento secreto — afirmou o presidente.

Em um segundo momento, Bolsonaro afirmou que tentará reduzir o valor e que, caso não seja possível, vetará novamente a proposta. A previsão no Orçamento de 2023 é que a fatia das emendas de relator chegue a R$ 19 bilhões. O presidente reclamou que o relator — senador ou deputado federal responsável por oficializar a repartição das verbas —, passou a ser o dono da “função mais importante” do Brasil.

— Vamos negociar com o Parlamento até que ponto nós podemos discutir quem vai liberar esse recurso. No momento, é uma pessoa. É um deputado federal num ano, um senador no outro, que tem mais poder do que eu. O meu orçamento é totalmente engessado. Hoje em dia, um deputado federal ou senador passou a ser o dono da função mais importante do Brasil. Isso não é justo —afirmou.

— Eu não posso continuar perdendo poderes no tocante a isso (...). Eu acredito, obviamente, que tem muito recurso bem direcionado, mas não gostaria de perder poder como eu perdi.

Modus operandi

O orçamento secreto foi criada em 2019 e passou a valer a partir de 2020. Desta forma, atribui-se ao relator-geral do Orçamento da União (um parlamentar) a escolha dos deputados ou senadores que receberão as chamadas emendas de relator. Na prática, essa divisão é feita pela cúpula do Congresso. Ao contrário das emendas individuais, elas não têm distribuição igualitária entre os parlamentares nem transparência.

Em um primeiro momento, Bolsonaro chegou a vetar a medida. Porém, o governo criou a sua própria proposta de emenda de relator, que acabou aprovada pelo Legislativo. Como revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo, Bolsonaro fixou as novas emendas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020, logo no primeiro ano em que o orçamento secreto passou a valer.

No ano seguinte, Bolsonaro também vetou a medida, mas o Congresso derrubou o veto. A base aliada não trabalhou, na ocasião, para manter o veto presidencial.

Este mês a Polícia Federal deflagrou uma operação em cinco municípios do Maranhão para desarticular um grupo de criminosos que falsificavam dados do SUS para aumentar o teto de repasses federais enviados via emendas de relator.

Entre as denúncias de corrupção envolvendo o mecanismo também estão indícios de compras superfaturadas de equipamentos, como máquinas pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf ).

Redutos eleitorais de aliados do presidente foram mais beneficiados do que outras regiões do país. Um deles é Petrolina. A cidade foi a que mais recebeu recursos do orçamento secreto entre 2020 e 2021: R$ 166,4 milhões. A cidade é a base eleitoral de Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que, na época, era o líder do governo no Senado.