O Globo, n. 32586, 25/10/2022. Brasil, p. 13

'É o Brasil', diz juiz

Daniel Biasetto
Lucas Altino


A soltura, na última sexta feira em Manaus, de Ruben Dario da Silva Villar, conhecido como Colômbia e apontado como mandante do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, tem preocupado ambientalistas e indígenas do Vale do Javari, no Amazonas. Algumas lideranças ouvidas pelo GLOBO afirmaram estar com medo da retaliação de Colômbia, por conta de sua prisão em 8 de julho, por portar documentos falsos.

Colômbia foi solto provisoriamente, enquanto correm os processos, após duas decisões favoráveis da Justiça Federal, e fiança de R$ 15 mil. Apesar de o Ministério Público Federal (MPF) se manifestar contra a soltura, o juiz Fabiano Verli entendeu que medidas cautelares, entre elas o uso de tornozeleira eletrônica e entrega de passaporte, seriam suficientes para mantê-lo sob vigilância, apesar de reconhecer o risco de fuga.

A Polícia Federal segue com as investigações contra Colômbia pelo crime de associação criminosa armada e comando de uma quadrilha de pesca ilegal no Vale do Javari, no Amazonas, usada para lavar dinheiro do narcotráfico. Há também suspeitas de ligações com políticos locais que se beneficiam do esquema.

Na decisão, a que O GLOBO teve acesso, o juiz Fabiano Verli afirma que, “no caso concreto”, a acusação de crime de associação criminosa armada sequer resultaria na prisão do acusado. “No caso concreto, as acusações contra o preso são muito sérias, mas, por outro lado, pelo crime de associação criminosa armada, nada leva a pena muito maior do que 2 anos, se tanto. Ele sairia livre de reclusão efetiva. É o Brasil”, disse o magistrado.

Demora em processo

Entidades que acompanham o caso, a Univaja e a Indigenistas Associados (INA) criticam a demora para a conclusão das investigações, que, ainda não apontaram formalmente Colômbia como um dos participantes dos assassinatos.

— As coisas deviam estar mais claras nesse momento. A investigação está lenta, é preciso que as autoridades deem as respostas — afirma Eliésio Marubo, assessor jurídico da Univaja.

Fernando Vianna, presidente da INA, também demonstra preocupação:

— Solto, esse sujeito é uma ameaça a todos os que têm denunciado o consórcio entre pesca ilegal e narcotráfico na região — diz Vianna, que destaca que o apoio da Força Nacional no Vale do Javari “nunca se estabeleceu plenamente”.

Em sua decisão, Verli, da Vara Federal Cível e Criminal de Tabatinga-AM, cita na decisão que uma série de decisões políticas tem dificultado as ações contra crimes e outras atividades ilegais na região e que Colômbia seria “uma parte diminuta do problema regional ”: “Após o desmonte das atividades fiscalizadoras e do estímulo expresso de políticos ao cometimento de crimes ambientais, no Brasil, sabemos que o que pode realmente dissuadir pessoas da prática de novos crimes ambientais e contra populações indígenas é a ação do dia a dia da PF, do Ibama, da Funai, do ICMBio, das secretarias estaduais e municipais de meio ambiente e outros órgãos, autarquias e fundações ambientais envolvidos na solução do problema, que é gravíssimo”.

Colômbia segue em liberdade provisória, monitorado por meio de tornozeleira eletrônica. Ele deve permanecer em Manaus, porque o sinal de internet é precário nas cidades em que mantém residência. Além disso, ele está proibido de deixar o país.

Decisão ‘embasada’

Mesmo admitindo que a decisão é discutível do ponto de vista social, Matheus Falivene, doutor em Direito Penal pela USP, diz que ela foi, técnica e juridicamente, embasada:

— Como a acusação não é do homicídio em si, mas de associação criminosa, em tese ele dificilmente iria para regime fechado, talvez nem para o semiaberto. A jurisprudência é que, nesses casos, a prisão preventiva não é ideal, pois seria mais grave do que o resultado da própria condenação.

A decisão acendeu o alerta para o desconhecimento da real identidade de Colômbia pelas autoridades e a possibilidade de “fuga sem retorno” do principal suspeito de ordenar as mortes de Bruno e Dom Philllips, no Vale do Javari, em 5 de junho. Verli diz na decisão que “há documentos por onde se começar uma busca em caso de fuga”.

No recurso contra a liberação de Colômbia enviado na última quinta-feira pelo MPF à Justiça, a procuradora da República Aline Morais se manifestou pelo indeferimento do pedido de liberdade provisória até que fossem sanadas todas as dúvidas sobre a “tripla identidade” de Colômbia, que tem documentos brasileiros, colombianos e peruanos.

O MPF alegou que “as buscas em caso de fuga do requerente também não serão efetivas, já que ele não possui residência fixa em Benjamin Constant (AM), mas sim na cidade de Islândia, no Peru. Mandados de prisão não poderão ser cumpridos da melhor forma, embora se reconheça que o Estado Peruano, por vezes, preste assistência mútua ao Brasil em matéria penal. Islândia fica afastada dos grandes centros urbanos. Não há policiamento suficiente e a cidade, mas conhecida como ilha, sofre com a insuficiência de órgãos estatais peruanos”.

Procurados pelo GLOBO, o MPF, a PF e o juiz Fabiano Verli não quiseram comentar as decisões.