Valor Econômico, v. 20, n. 4964, 20/03/2020. Mundo

Contra risco de depressão, trilhões para a economia



A derrocada dos mercados parece não ter fim. Os recuos das bolsas mundiais já são superiores ao turbilhão vivido na grande crise financeira de 2008 e não há piso à vista. As ações não encontram qualquer ponto de apoio para iniciar o caminho de volta. A queda se transmite a todos os outros ativos, em uma espiral de prejuízos que chegou nos últimos dias aos títulos soberanos, considerados os mais seguros. Isso significa que investidores e agentes do mercado passaram a vender seus melhores papéis para cobrir posições e garantir liquidez em uma crise cuja duração é imprevisível. Os bancos centrais, apagando os incêndios que surgem, estão intervindo com munição pesada em todos os mercados.

A roda destrutiva das perdas, da qual os investidores são incapazes de reverter por si sós, indica a precificação do caos. Com o coronavírus se instalando nas principais economias do mundo, como Alemanha e Estados Unidos, grandes emergentes, depois de passar pela Ásia, a economia real ameaçar entrar em uma depressão. Os mercados acionários só têm uma direção, para baixo, se os investidores tentam mensurar o valor de empresas e setores que estão paralisados - por ordem dos governos - ou vão paralisar e cuja única expectativa é a de que suas receitas sejam zero ou perto disso.

É sobre essa espiral descendente que os BCs estão agindo, com as armas legadas do afrouxamento monetário. O balanço do Federal Reserve americano já está perto do pico da crise de 2008 - US$ 4,5 trilhões -, com projeções de que em pouco tempo chegue a US$ 6 trilhões. Para prover liquidez ao mercado de dívida corporativa, anunciou que injetará US$ 750 bilhões na compra de títulos dos quais os investidores estão fugindo. O Banco Central Europeu anunciou na noite de quarta megadose de seu QE, mais € 750 bilhões, elevando para €1 trilhão a quantidade de títulos soberanos e de papéis privados que comprará até o fim do ano. O Banco da Inglaterra ampliou de 445 bilhões para 650 bilhões de libras se à liquidez e reduziu de novo os juros, desta vez para 0,1% ao ano.

Ainda que os bancos não estejam no epicentro da crise, como estiveram em 2008, a corrida dos bancos centrais visa evitar que a debacle dos mercados, em primeiro lugar, e depois a paralisação de vários setores da economia, com inadimplência de empresas inativas e consumidores desempregados, firam gravemente o balanço dos bancos. Essa é a tarefa mais urgente, que vem sendo executada com desenvoltura pelas autoridades monetárias. BCs de 22 países emergentes, por seu lado, reduziram suas taxas de juros para minorar os efeitos de uma grave retração.

Mas, à diferença de 2008, o estopim da crise vem do golpe conjunto das quedas da oferta e da demanda provocadas pela covid-19 e pelos métodos escolhidos para combatê-la. As fronteiras da Europa e dos EUA estão fechadas, enquanto que quarentena em centenas de centros urbanos limitam produção e consumo. Falta de liquidez de empresas e consumidores, em meio a um grande endividamento de companhias não financeiras (US$ 12 trilhões, o dobro de 2007), trazem risco real de colapso econômico.

A ameaça da depressão deixou para trás as exigências fiscalistas. Europa, EUA, Alemanha, entre outros, partiram diretamente para emissão de dinheiro para sustentar empresas e trabalhadores inativos ou demitidos - uma diferença marcante com a grande crise financeira de 2008. Transferências de US$ 500 bilhões serão feitas aos lares dos EUA, em um pacote estimado inicialmente em US$ 1,2 trilhão. A Alemanha colocará € 550 bilhões iniciais, a custo quase zero, para permitir que as empresas sobrevivam à maré recessiva e aperto financeiro. O Tesouro britânico injetará 330 bilhões de libras para amparar companhias e trabalhadores. A UE está deixando de lado provisoriamente os limites fiscais em prol de mais gastos para dar apoio à economia subjugada pela pandemia.

Sustentar e reerguer a produção e a demanda dos consumidores em uma crise global exigirá muito mais dinheiro do que no socorro a bancos em 2008. A necessidade de gastar o que for preciso para evitar mortes, depressão e seu cortejo de desemprego em massa, é hoje consenso entre governos e autoridades monetárias dos países ricos. O custo zero do endividamento é um estímulo para reerguer a economia real - e aí sim abrir caminho para a normalização dos mercados. É impossível prever quando a estabilização econômica e financeira ocorrerá, enquanto o coronavírus impedir a circulação de pessoas e mercadorias em massa. Mas o rumo é este.