Valor Econômico, v. 20, n. 4964, 20/03/2020. Opinião

Mercado de capitais e a Agenda ESG

Marcelo Barbosa


A postura de diversos grupos de interesse a respeito do tratamento dos fatores ESG (no acrônimo em inglês, ambientais, sociais e de governança) pelas companhias vem encontrando receptividade e provocando importantes reflexões por parte de agentes do mercado.

Investidores institucionais de peso passaram a exigir compromissos de transparência sobre temas ESG, causando mudanças significativas em companhias de que participam. Exemplo disso foi a aprovação de propostas relativas ao reporte do impacto de mudanças climáticas por grandes companhias petrolíferas - a despeito de recomendação contrária da administração.

Também reverberou a posição da Business Roundtable, que congrega as lideranças de grandes companhias dos EUA, reconhecendo que estas devem servir a uma ampla gama de interesses, sobre os quais os interesses dos acionistas não se sobrepõem, mas se somam. A mudança de posição foi uma sinalização importante, indicando o sentido da evolução do tratamento dos temas ESG pelas companhias.

Movimentos relevantes também têm ocorrido em outras frentes ligadas à temática. Um exemplo foi a lei da Califórnia, de 2018, que obriga companhias locais a assegurar um número mínimo de vagas para mulheres em seus conselhos de administração. Bélgica, Portugal, França e Itália também possuem medidas semelhantes.

A necessidade de equilíbrio entre os objetivos de curto e médio prazos perseguidos pelos administradores de companhias e aqueles de longo prazo relacionados a um interesse social mais amplo não é novidade. Desde 1976, a Lei das S.A. determina que o poder de controle deve ser exercido com o fim de fazer a companhia realizar seu objeto e cumprir sua função social, impondo ao controlador deveres e responsabilidades perante os demais acionistas, os que nela trabalham e a comunidade em que atua.

Com a adoção de posturas mais assertivas por investidores e a atuação em larga escala de grupos de interesse, companhias assumem compromissos relacionados à agenda ESG. Por se tratar de pauta ampla, que requer concretude para ser levada adiante, importa definir que itens compõem essa agenda e como se pode monitorar o andamento das ações correspondentes.

Em 2018, a Comissão Europeia propôs o estabelecimento de uma taxonomia que deverá propiciar um entendimento comum relativo ao que se pode considerar uma atividade econômica sustentável. Embora ainda não seja possível determinar a data de conclusão dessa proposta, há estimativas apontando para o início de 2021.

Ainda que não haja regulação oficial, não faltam ações que ajudem a entender a amplitude das variáveis em discussão. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS, Agenda 2030), fixados pelas Nações Unidas, foram reconhecidos no âmbito do Fórum Econômico Mundial como uma referência importante para se aferir os avanços das companhias nessa direção.

No Brasil, um exercício, fruto de parceria entre CVM, B3, GRI (Global Reporting Initiative) e a Rede Brasil do Pacto Global, correlacionou os itens do Formulário de Referência às diretrizes da GRI utilizadas para reportar o avanço nos ODS.

Como a atenção aos critérios ESG se tornou fator relevante em processos de captação de recursos para financiamento da atividade empresarial, cabe aos reguladores refletir sobre quais as respostas adequadas para este cenário em que aspectos não financeiros assumem maior relevância.

Em janeiro de 2019, a IOSCO (Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários) externou sua visão de que fatores ESG podem te impactos nos negócios dos emissores bem como nos riscos e retornos para os investidores e em suas decisões de investimento e voto.

A questão influencia diretamente um dos principais mandatos do regulador: a formação de capital. Afinal, se os investidores institucionais já refletiram sua posição em políticas de investimento e se as novas gerações de investidores de varejo demonstram maior interesse nos valores ESG, é importante assegurar clareza sobre como os emissores e demais participantes do mercado enfrentam o tema.

As respostas regulatórias têm variado, embora se possa identificar alguns traços comuns, sobretudo a busca de equilíbrio entre dois valores centrais: de um lado, a preservação do livre exercício da atividade empresarial, respeitando os limites previstos no arcabouço jurídico; de outro, a transparência com relação ao tratamento dispensado aos aspectos ESG. Dada a importância atribuída pela sociedade ao tema, faz sentido que companhias abertas deem aos acionistas e ao mercado condições de avaliar seu posicionamento.

De todo modo, a ausência de uniformidade de parâmetros em relação aos fatores ESG a serem considerados e à forma de apreciação destes indicadores recomenda atenção por parte do regulador. Isso porque a multiplicidade de conceitos dá margem à prática de “greenwashing”, que consiste em transmitir aparência de alinhamento a valores de sustentabilidade. Além dos reflexos evidentes na proteção ao investidor, o excesso de conceitos dificulta a comparação e a tomada de decisão.

No Brasil não tem sido diferente, e as exigências de divulgação relacionadas aos aspectos ESG têm acompanhado a crescente demanda dos investidores por informações. Desde 2019, todas as companhias abertas devem apresentar um informe sobre o Código Brasileiro de Governança Corporativa com base no conceito “pratique ou explique”, isto é, não há obrigatoriedade de adoção das práticas sugeridas, devendo as companhias apenas justificar sua não adoção.

Além disso, a CVM é uma das fundadoras do LAB - Laboratório de Inovação Financeira, que congrega mais de uma centena de instituições e se destina a promover o debate intersetorial a fim de alavancar a utilização de recursos privados para projetos voltados ao financiamento de investimentos sustentáveis.

Do ponto de vista do fomento a instrumentos de desenvolvimento sustentável, a nova regulação dos FIDCs a ser submetida a audiência pública ainda este ano trará proposta de criação de FIDC socioambiental, categoria dedicada a fundos cuja política de investimento contemple a originação de benefícios socioambientais.

O Brasil apresenta enorme potencial para as finanças sustentáveis, estimado em US$ 1,3 trilhão pela Climate Bonds Initiative, sobretudo nos setores de energia renovável, infraestrutura urbana e agricultura sustentável. Até setembro de 2019, as emissões domésticas de títulos verdes haviam superado R$ 22 bilhões. Neste momento de expansão de projetos, será importante contar com o potencial financiador do mercado, que se maximiza com a transparência no tratamento dos aspectos ESG.

* As opiniões expostas neste artigo são de exclusiva responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, o entendimento da Comissão de Valores Mobiliários.

Marcelo Barbosa é presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).