Valor Econômico, v. 20, n. 4964, 20/03/2020. Empresas

Epidemia já reduz projeção de demanda por eletricidade

Letícia Fucuchima


O setor elétrico não deverá passar ileso da crise do coronavírus. Com a evolução da pandemia contaminando o ritmo de vários setores da economia, o mercado já começou a reduzir as projeções para a atividade econômica - que, por sua vez, está intimamente ligada ao comportamento da demanda de energia.

Um estudo da consultoria Thymos Energia, obtido pelo Valor, mostra que o consumo de energia pode sofrer uma redução de 1,6% a 14% em 2020, a depender da intensidade dos impactos do coronavírus sobre a economia. Antes de toda essa situação, a Thymos previa um aumento de 3% a 4% para a demanda no ano.

No cenário moderado traçado pela consultoria, o consumo deve cair 4% no ano. Essa estimativa leva em consideração, de um lado, um crescimento de 10% da demanda nas residências devido às orientações de quarentena e home office, e, de outro, uma queda de 30% no comércio e na indústria com a paralisação parcial desses setores.

Ainda nesse cenário, o consumo sofreria os períodos mais críticos em março, abril e maio, iniciaria um processo de recuperação a partir de junho e retomaria, em setembro, os níveis anteriores à crise do coronavírus.

O sócio da Thymos, Alexandre Viana, afirma que estimativas mais precisas para o caso brasileiro dependem ainda da evolução da pandemia e de novas medidas que serão tomadas para contê-la, as quais podem ter mais ou menos impacto sobre a atividade econômica. Ele destaca, porém, que os efeitos dessa crise não ficarão restritos à demanda de energia, já que o setor elétrico é todo interligado.

Um dos indicadores que podem ser afetados é o Preço da Liquidação das Diferenças (PLD), referência para o mercado de curto prazo de energia. “O impacto vai depender do ritmo de consumo, meteorologia e nível de carga que será estimado pelo Operador Nacional do Sistema, mas o PLD tende a registrar valores abaixo de R$ 100,00/MWh nos próximos dois meses e deve continuar em patamares baixos em um cenário de recuperação lenta", estima Viana. O PLD pode influenciar o fluxo de caixa das distribuidoras, já que a situação do coronavírus poderia levar a uma sobra de contratos para as concessionárias, que negociariam a energia excedente no mercado de curto prazo por um valor menor do que pagaram.

Os cenários da Thymos para o Brasil foram elaborados a partir de uma análise dos desdobramentos da crise sanitária em outros países. Segundo dados coletados, o impacto do coronavírus foi sentido de forma mais intensa na carga de lugares como França, Itália, Portugal, Espanha, e menos na Alemanha e no Reino Unido, onde o decretado até o momento. Já a situação na China não foi analisada pela falta de dados oficiais de consumo em tempo real.

Por ora, as distribuidoras de energia estão concentradas em assegurar a normalidade das operações, mas algumas já começam a fazer exercícios para tentar prever o comportamento da carga nos próximos meses. É o caso da EDP Brasil, que tem 3,5 milhões de clientes no Espírito Santo e no interior de São Paulo. Segundo a companhia, o consumo residencial pode ter aumento de até 15%, mas a expectativa é de que isso seja compensado pela queda da demanda em outros setores, como comércio, poder público e escolas. Com isso, a tendência seria de redução no período. “Estamos monitorando, mas suprimento não é uma preocupação”, diz Marcelo Torezani, gestor operacional de estudos de mercado da companhia.