Valor Econômico, v. 20, n. 4964, 20/03/2020. Finanças

Bolsa e câmbio têm pregão de alívio

Marcelo Osakabe
Marcelle Gutierrez
Ana Carolina Neira
Lucas Hirata


O dia foi de alívio para o mercado de ações e para o real ontem, após perdas intensas registradas na véspera. A recuperação veio junto com o exterior e em função de novas medidas dos BCs pelo mundo para combater os efeitos da disseminação do coronavírus. O avanço do petróleo e a atuação do Banco Central no mercado de câmbio também foram fatores preponderantes para o respiro nos ativos.

Na renda variável, o Ibovespa registrou alta de 2,15%, indo a 68.331 pontos. Mas o resultado veio em uma sessão de volatilidade. Da mínima à máxima, o índice oscilou dos 61.691 pontos (-7,78%) aos 70.071 pontos (4,75%). Já o dólar comercial encerrou em queda de 1,88%, aos R$ 5,0978. O Banco Central atuou ontem com US$ 2 bilhões em operações de linha e US$ 685 milhões à vista.

Entre as medidas que ajudaram a estabilizar os mercados estão os cortes de juros por BCs de Inglaterra, Austrália, África do Sul, Filipinas, Taiwan e Indonésia, bem como um programa de compras de ativos por parte do Banco Central Europeu (BCE) de € 750 bilhões.

Houve ainda uma relativa recuperação dos preços do petróleo. O WTI fechou em alta de 23,8% e o Brent subiu 14,4%. Foi justamente esse elemento que deu força às ações da Petrobras e também ao Ibovespa: a ação ordinária encerrou em alta de 12,67% e a preferencial, de 8,15%. O gatilho foi a notícia de que o governo dos Estados Unidos considera intervir na guerra de preços entre Arábia Saudita e Rússia.

Para estrategistas do Société Générale, a ocorrência de dois “cisnes negros” simultâneos - o novo coronavírus e o choque dos preços do petróleo - é especialmente negativo para emergentes. No caso do câmbio, o banco acredita que essas divisas podem se desvalorizar mais 10% a 15%, caso o comportamento dos ativos de risco não se estabilize nas próximas semanas.

A forte demanda por liquidez em dólar em todo o mundo tem elevado o preço da moeda americana em muitas jurisdições, incluindo o Brasil. Para amenizar este problema, o Federal Reserve anunciou ontem que estendeu o programa de swap de moedas para o Brasil e outros cinco países.

Em comunicado sobre a ação do Fed, o BC informou que os US$ 60 bilhões oferecidos não implicam “condicionalidades de política econômica” e vão se somar “ao conjunto de instrumentos disponíveis para lidar com a alta volatilidade dos mercados”. De acordo com o executivo de um grande banco, a iniciativa do Fed pode ser considerada preventiva, o que traz um pouco mais de conforto num momento de grande estresse e busca por ativos de proteção. Este profissional ressalta que o Brasil já está bem resguardado com o volume robusto de reservas cambiais - na casa dos US$ 360 bilhões -, o que reduz a urgência de se usar a oferta do Fed.

Outro profissional, este de tesouraria, explica que esse aperto de liquidez em dólares não se reflete até o momento no mercado local, mas é sentido por agentes que gerenciam liquidez, compromissos, carteira de ativos e bônus em moeda estrangeira. “Portanto, impacta também fundos de investimento e bancos brasileiros”, diz.

Falando ainda sobre a decisão do BC de aceitar compromissadas em moeda estrangeira - que tem intuito semelhante à operação com o Fed -, esse interlocutor nota que a medida indica apenas maior dificuldade de preservar ou criar liquidez em dólares no curto prazo. “Não quer dizer que as instituições brasileiras tenham um problema de liquidez, apenas que o funding ficou mais escasso e mais caro”, diz. “De forma geral, não acho que seja o caso [de problemas de liquidez], ainda que sempre possa haver algum caso pontual mais crítico em algum momento.”

Hoje o BC deve realizar a primeira rodada de operações compromissadas com global bonds. Os bancos poderão trocar esses títulos - que são emitidos pelo Tesouro Nacional, mas denominados em dólar - por moeda estrangeira. O estoque desse tipo de papel é de US$ 31 bilhões.