Valor Econômico, v. 20, n. 4964, 20/03/2020. Finanças

Dívida emergente se tornou ‘ilíquida’, avalia Julius Baer

Entrevista: Yves Bonzon, CIO (executivo-chefe de investimentos) e membro da direção geral do banco suíço Julius Baer


​As perdas nas bolsas de valores já atingem entre US$ 20 trilhões e US$ 25 trilhões em termos de capitalização desde o fim de dezembro, e as baixas nos mercados de renda fixa também são enormes. As fortes turbulências nos mercados financeiros tendem a continuar, enquanto não houver sinais de que a pandemia de coronavírus estará sob controle.

É o que prevê Yves Bonzon, CIO (executivo-chefe de investimentos) e membro da direção geral do banco suíço Julius Baer, com US$ 429 bilhões de ativos sob gestão no fim de 2019. “Os mercados estão em modo pânico, nunca vimos na história quedas tão rápidas”, disse em enquanto não houver sinais de que a pandemia de coronavírus estará sob controle.

É o que prevê Yves Bonzon, CIO (executivo-chefe de investimentos) e membro da direção geral do banco suíço Julius Baer, com US$ 429 bilhões de ativos sob gestão no fim de 2019. “Os mercados estão em modo pânico, nunca vimos na história quedas tão rápidas”, disse em entrevista ao Valor. Ao seu ver, a crise pode acelerar a transição para políticas macroeconômicas não ortodoxas.

De seu escritório em Zurique, o executivo constata não haver mercado para títulos de dívida corporativa de economias emergentes. “O mercado tornou-se completamente ilíquido. Pode-se encontrar um ‘deal’, mas o preço será horrível”, afirmou. “Há uns dez dias que a situação piora mais e mais”. Exemplificou com um ETF de dívida soberana de emergentes, que inclui papéis da Mongólia, Croácia, Chile, Brasil, Polônia e outros. O índice em dólar perdeu 20% desde 4 março, mas quem for vendê-lo terá baixa adicional de 10%.

Para o executivo, alguns emergentes enfrentam cenário de “tempestade perfeita”, somando dependência em relação a exportações de matérias-primas, alta do dólar, pânico de investidores estrangeiros. “Com os juros extremamente baixos nos EUA e na Europa, muitos investiram na dívida de emergentes para ter melhor rendimento. Agora eles têm medo e repatriam o capital. Assim temos um fenômeno de venda, mesmo de venda forçada”.

No cenário atual ele divide investidores em três categorias: o vendedor forçado, que quer reduzir o risco e precisa de dinheiro, mas que agora é muito tarde; o vendedor que tem dinheiro suficiente para esperar seis a doze meses para a situação se reverter; e o investidor que tem muito dinheiro e pode aproveitar ‘ativos inacreditavelmente baixos’.”

Para Bonzon, o Brasil, por exemplo, “é hoje muito barato. É preciso que a situação se estabilize no país, mas quem comprar hoje ativos brasileiros em três anos estará muito contente”.

Ele relata que nos últimos anos muitos clientes não tinham apetite muito forte por ações. E agora as perdas com título se aproximam daquelas registradas nos mercados de ações.

“O que eu digo (aos investidores) é que não sabemos o que vai se passar nos próximos dias”, acrescentou. Para ele, depende da evolução do vírus. No momento em que a Itália, por exemplo, mostrar que conteve o covid-19, o mercado começará a reverter a degringolada. Uma vez que se tem o precedente, o mercado vai saber que a trajetória poderá ser a mesma para outros países infectados.

Yves Bonzon elogia decisões tomadas pelos bancos centrais até agora e nota que “não temos ainda sinais de riscos sistêmicos” no sistema financeiro. Por outro lado, considera que não dá para saber ainda se as medidas fiscais bilionárias anunciadas por governos são suficientes “porque não conhecemos a amplitude dos estragos”.

O executivo sugere, em todo caso, respostas pela Nova Teoria Monetária (NMT), pela qual os bancos centrais teriam margem para injetar liquidez diretamente no setor privado, equivalente a alguns pontos percentuais do PIB do país.

O raciocínio é que o covid-19 impede os atores econômicos de continuar suas atividades. O choque é temporário, mas resulta em perda de renda para as famílias e de “cash-flow” para as empresas. Esses diminuem ou cessam seus pagamentos. E isso resulta mecanicamente em contração do crédito. O impacto é a deflação por causa do efeito dominó que induz à redução da velocidade de circulação da moeda (número de vezes que o dinheiro troca de mãos).

“Quanto mais dura a paralisação [da economia], mais a perda de renda pelas pessoas atingidas e mais a velocidade da moeda vai desmoronar”, diz. Estima que o setor privado, famílias e companhias estão sendo atingidos por “uma catástrofe natural” e as perdas devem ser compensadas com injeção de cash. Do contrário vão quebrar e a economia vai sofrer contração.

Ele dá um exemplo baseando-se na Suíça: o governo federal poderia emitir título de dívida perpétua com cupom zero por cento, num montante equivalente a 5% do PIB ou cerca de US$ 35 bilhões. Esse título com juro zero é comprado pelo Banco Nacional Suíço (o BC helvético). O governo pega o dinheiro para compensar famílias, pequenas e médias empresas.

Indagado sobre até onde os mercados financeiros podem recuar, Yves Bordon diz ver mais chance de subida de 20% nos preços dos ativos do que queda na mesma proporção dentro de dois meses. Isso porque “até lá a pandemia pode ser contida, se os governos tomam todas as medidas necessárias. E tudo pode se reverter espetacularmente”.