Título: O dilema da paz
Autor: Mariana Carpes
Fonte: Jornal do Brasil, 24/10/2005, Internacional, p. A11

No último dia 20, após quase um ano de espera, a Corte Constitucional colombiana aprovou (7 a 2) a reeleição presidencial. A decisão, agora irrevogável, se deve às 18 demandas de parlamentares sinalizando vícios na emenda aprovada pelo Congresso em dezembro de 2004. Foi requerido à Corte que avaliasse se houve ou não excesso de poder do Congresso em aprovar a reforma da Constituição de 1991 permitindo a reeleição. A instituição julgou legítima a ação do Congresso na medida em que respeitou os procedimentos formais e não feriu as cláusulas pétreas na Constituição. Da luta política de forças entre a base de Alvaro Uribe e os opositores à lei, saiu fortalecida a figura do presidente. Com estratégia de se manter afastado dos debates, concentrou seus esforços na realização de promessas de campanha como a desmobilização das organizações ilegais do país.

Em pesquisa de opinião recente, Uribe recebeu 53% das preferências de voto, enquanto o liberal Horácio Serpa apenas 10,6%, ficando atrás dos votos brancos e das abstenções. Na simulação sem Uribe, a variação percentual de Serpa foi pouco expressiva. De 10,6% para 17,4%. O principal crescimento foi verificado entre os brancos e as abstenções, evidenciando a falta de uma representação político-institucional alternativa com expressividade entre os colombianos.

Ao longo de quase três anos e meio de governo, Uribe obteve aprovação em torno de 70% tendo como base uma forte política de segurança. Grandes investimentos foram feitos na formação e aparelhamento militar com vistas a alcançar, principalmente pela força, a paz. Nos marcos do Plano Colômbia, o país já recebeu mais de US$ 4,5 bilhões dos EUA. Paralelamente, com o Plano de Segurança Democrática, o governo deu início a uma reestruturação dos quartéis visando a otimização de sua atuação nas áreas críticas, em especial o Sul, onde atuam mais as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

O grande número de conflitos no país só em 2005, que têm feito não menos do que 20 mortos a cada mês, pode ser um indicativo de que as ações militares estão pressionando paramilitares e guerrilheiros. O governo conseguiu avanços na desmobilização das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), e tem ainda demonstrado disponibilidade para negociar um cessar-fogo com o Exército de Libertação Nacional (ELN), além de transformar as tentativas de um possível acordo humanitário com as FARC no princípio de uma negociação de paz.

Mas, o que dizer da ausência de uma política social para a reestruturação das zonas rurais hoje sob domínio dos grupos ilegais? E como reintegrar a população após a desmilitarização desses grupos que agem como única força legítima em muitas áreas? Como contornar a referência política e militar que os grupos ilegais mantêm? Mais ainda, no caso de um êxito sempre crescente nas desmobilizações, o que fazer com a massa de homens, mulheres e crianças muitas formadas no conflito e que estariam então à mercê do governo para sua reinserção à vida social?

Vale lembrar que em suas fileiras as FARC contam com quase 18 mil homens, as AUC com 17 mil, dentre os quais mais de cinco mil já depuseram as armas, e o ELN com cinco mil homens mobilizados.

É claro que o fortalecimento das iniciativas de negociação da paz chama a atenção, pois, não gratuitamente, os grupos só ganharam força no último ano e meio de governo. Mas mais ainda, convidam a pensar sobre a exeqüibilidade, no logo prazo, de um governo cuja base de atuação e mesmo popularidade está na ação armada.

A instabilidade social colombiana é vista como a resultante da presença maciça de grupos ilegais tratados pelo governo, em sua maioria, como terroristas. O que esperar de mais quatro anos de um regime que inicia processos de paz no seu último ano da atuação, ao mesmo tempo em que pede à comunidade internacional que reconheça que a Colômbia sofre pela ação do terror e proíbe que seus funcionários refiram-se a realidade do país como um conflito armado?

O parecer favorável à reeleição colocou Uribe na corrida e abriu precedente para que os demais partidos articulem-se e formulem estratégias. Algo para conseguir, no pouco tempo que resta até maio de 2006, criar uma nova liderança ou representação que inspire a confiança popular.

Por fim, é preciso refletir sobre a continuidade de um governo cuja aceitação política repouda nos êxitos militares e que economicamente é estável graças às altas ajudas financeiras dos EUA para a luta contra o ¿terror¿. Assim, diante de um cenário onde a sustentação político-econômica está na ação contra os grupos ilegais, o que dizer do futuro de Uribe se a paz for alcançada? Num provável novo mandato, se mantiver as atuais estratégias, poderá se deparar com um dilema no qual o alcance de seu objetivo minará as condições da própria sobrevivência política.