O Globo, n. 32588, 27/10/2022. Mundo, p. 22

Às vésperas da COP27



Os países que assinaram o Acordo do Clima de Paris não estão cumprindo seus compromissos de combater as mudanças climáticas, direcionando o planeta para um futuro com inundações mais intensas, incêndios florestais, secas, ondas de calor e extinção de espécies, de acordo com um relatório divulgado ontem pela ONU.

Às vésperas da nova cúpula da ONU sobre o clima, a COP27, que começa em 6 de novembro em Sharmel Sheikh, no Egito, só 26 dos 193 países cumpriram o compromisso alcançado no ano passado na COP26, em Glasgow, de revisar anualmente — e não mais a cada a cinco anos — as metas de redução da emissão de dióxido de carbono (CO2), conhecidas pela sigla em inglês NDC ( contribuições nacionalmente determinadas ).

Simon Stiell, secretário-executivo da ONU para Mudanças Climáticas, descreveu o número como “decepcionante” em um comunicado. O relatório da ONU, porém, leva em conta as promessas de apenas 24 países, já que Micronésia e Guiné Equatorial apresentaram suas metas após a data limite de 23 de setembro.

O CO2 é o principal dos gases causadores do efeito estufa e, sem reduções drásticas nas emissões, a temperatura do planeta tende a aumentar em média entre 2,1°C e 2,9°C , em comparação com os níveis pré-industriais, até 2100. Isso é muito maior do que a meta de 1,5°C estabelecida pelo Acordo de Paris e ultrapassa o limite após o qual cientistas alertam para o aumento da probabilidade de eventos climáticos catastróficos.

Segundo especialistas da ONU, as emissões precisam registrar queda de 45% até 2030, na comparação com os níveis de 2010, para alcançar esse objetivo. Mas os compromissos atuais levarão a um aumento de 10,6% das emissões durante este período. Assim, dezenas de milhões de pessoas a mais em todo o mundo estariam expostas a ondas de calor alarmantes, escassez de alimentos e água e inundações, enquanto outros milhões de mamíferos, insetos, pássaros e plantas desapareceriam.

“Ainda não estamos nem perto do nível e do ritmo das reduções de emissões necessárias para nos pôr no caminho de um mundo de até1,5°C”, escreveu Stiell no comunicado. “Ao contrário, a soma dos compromissos dos 193 países pode encaminhar o mundo para um aquecimento de 2,5°C até o fim do século. Para manter o objetivo, os governos devem reforçar os planos agora e colocá-los em prática nos próximos oito anos ”, acrescentou.

Guerra atrasa metas

O compromisso assumido em Glasgow, na Escócia, de atualizar as metas antes das negociações no Egito foram um reconhecimento das nações sobre a urgência da crise climática. Mas a guerra na Europa, uma crise energética internacional, a inflação global e a turbulência política em países como o Reino Unido e o Brasil complicaram os esforços de cooperação para combater as mudanças climáticas.

Na segunda-feira, a União Europeia disse que aumentaria suas promessas de redução de emissões “o mais rapidamente possível”, mas reiterou que não poderia pô-las em prática até que seus países-membros concordassem com uma série de leis climáticas.

— Este ano vimos pouco da ação climática que os governos prometeram em Glasgow, em meio a uma enxurrada de novas pesquisas nos dizendo que limitar o aquecimento a 1,5°C ainda é totalmente possível — disse Niklas Höhne, fundador do New Climate Institute em Colônia, Alemanha.

A China, hoje o maior emissor mundial de gases de efeito estufa, disse na COP 26 que suas emissões de CO2 continuarão acrescer até atingir o pico em 2030, quando passariam a ser reduzidas. Mas não estabeleceu metas para reduzir outros gases de efeito estufa, como o metano, que emite em quantidades grandes o suficiente para igualar as emissões totais de nações menores.

No ano passado, a China disse que deixaria de construir usinas a carvão no exterior. Até agosto, 26 de 104 projetos desse tipo foram engavetados, impedindo que 85 milhões de toneladas de dióxido de carbono fossem adicionadas à atmosfera a cada ano, segundo o Centro de Pesquisa em Energia e Ar Limpo.

Uma análise do World Resource Institute (WRI) descobriu que as promessas atuais reduziriam as emissões em cerca de 7% em relação aos níveis de 2019, embora seja necessário seis vezes isso, uma redução de 43%, para limitar o aquecimento global a 1,5°C.

Os EUA, maior emissor histórico de gases-estufa, aumentaram sua capacidade de cumprir sua promessa de reduzir as emissões entre 50% e 52% até o final desta década, quando comparadas aos níveis de 2005, ao aprovar a chamada Lei de Redução da Inflação, que contém centenas de bilhões de dólares em subsídios para tecnologias mais limpas.

Mas, mesmo assim, os EUA cumprirão apenas cerca de 80% de sua promessa atual de reduzir as emissões, de acordo com Taryn Fransen, do WRI. Para Höhne, a nova lei americana foi o movimento mais forte feito por um grande emissor em 2022, mas com “30 anos de atraso”.

A divulgação do relatório da ONU atraiu queixas dos países em desenvolvimento que foram rápidos em apontar que, das poucas nações que fortaleceram suas promessas este ano, a maioria não é um grande poluidor.

— O documento mostra mais uma vez que os maiores responsáveis pela crise climática ainda relutam em assumir suas responsabilidades — disse MoIbrahim, um filantropo sudanês-britânico que convocou líderes africanos para discutir a crise climática antes do encontro no Egito.

— A menos que sejam tomadas medidas urgentes para responsabilizar os países mais ricos, o mundo em desenvolvimento continuará a pagar a conta, ao custo de inúmeras vidas.

Na terça, John Kerry, enviado climático do presidente Joe Biden, pediu à China, Rússia, Arábia Saudita e México que alinhem suas políticas climáticas com o objetivo de restringir o aquecimento a 1,5 °C.

— Todos sabemos que as 20 maiores economias são responsáveis por 80% das emissões — disse Kerry durante um discurso no Conselho de Relações Exteriores. — Suas promessas devem ser reforçadas este ano. Foi isso que as pessoas concordaram em fazer.