O Globo, n. 32588, 27/10/2022. Política, p. 4

Sem provas

Mariana Muniz
Aguirre Talento
Gabriel Shinohara
Alice Cravo
Jussara Soares
Eduardo Gonçalves


Em um revés para a campanha de Jair Bolsonaro a quatro dias do segundo turno, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, rejeitou ontem ação em que a equipe do candidato à reeleição apontava um suposto boicote de rádios na veiculação de propaganda eleitoral. O ministro afirmou que a denúncia não apresentou provas das irregularidades alegadas e que a empresa contratada para analisar as inserções não é especializada em auditoria. Moraes ainda determinou a apuração de possível crime eleitoral com o objetivo de “tumultuar” o segundo turno em sua última semana.

Na segunda-feira, os advogados da campanha apresentaram um pedido ao TSE em que alegavam, sem provas, que algumas rádios do Norte e do Nordeste teriam priorizado inserções do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, em detrimento às de Bolsonaro. No pedido, também solicitavam que as inserções do petista fossem suspensas em todo o país. Após Moraes cobrar a apresentação de provas, a defesa do presidente enviou relatórios feitos por uma empresa privada no qual constavam as supostas falhas nas inserções, detalhando uma amostra de oito rádios que teriam cometido as irregularidades.

Na decisão de ontem, Moraes lembra que o TSE não tem atribuição para fiscalizar a divulgação das propagandas eleitorais — sendo esta uma competência dos partidos políticos e das campanhas. O ministro aponta ainda que os relatórios apresentados pela campanha de Bolsonaro apresentam falhas e se baseiam em uma metodologia inadequada, porque analisou o conteúdo das rádios transmitido apenas pela internet.

Pelas regras da Corte, não há obrigatoriedade de veiculação das inserções na transmissão pela internet e as próprias rádios dizem que pode haver falhas nos sistemas que replicam o conteúdo via streaming. O sistema utilizado pela auditoria contratada pela campanha de Bolsonaro identifica os trechos de áudio que forem cadastrados manualmente. Se houver uma falta ou erro no cadastro, por exemplo, ele não é capaz de monitorar. A captação também pode ser afetada por falhas de sinal ou de retransmissão.

Na decisão em que nega a ação, Moraes ainda cita um estudo feito pelo professor Miguel Freitas, do departamento de Telecomunicações da PUC-RJ, em que são apontados “os erros e inconsistências” apresentados na “pequena amostragem de oito rádios” apontada na denúncia apresentada pela campanha de Bolsonaro. Ao analisar as inserções em uma das emissoras apontada pelos autores, o engenheiro, conforme noticiou a colunista Malu Gaspar, conclui que houve “clara confusão sobre a possibilidade de se utilizar um recurso dessa natureza, sem nenhuma verificação adicional de consistência, como se fosse uma ferramenta de auditoria”.

Ao rejeitar a denúncia, Moraes não só mandou investigar possível crime eleitoral cometido pela campanha de Bolsonaro pela denúncia sem provas, como ordenou que seja apurado o fato de o PL ter utilizado recursos do fundo partidário para contratar a auditoria. O ministro ainda determinou que o caso seja avaliado dentro do inquérito das milícias digitais, no Supremo Tribunal Federal (STF).

Após a ação ser rejeitada, Bolsonaro anunciou que deve recorrer ao Supremo para “fazer valer” a alegação de que existe desequilíbrio entre o número de inserções das duas campanhas à Presidência em rádios.

— Da nossa parte iremos às últimas consequências, dentro das quatro linhas da Constituição, para fazer valer aquilo que a nossa auditoria constatou. Realmente, um enorme desequilíbrio entre as inserções. Isso obviamente interfere na quantidade de votos no final da linha — afirmou o presidente, após se reunir com auxiliares no Palácio da Alvorada. Entre os presentes estavam os ministros Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Anderson Torres (Justiça), Carlos França (Relações Exteriores), Augusto Heleno (GSI) e o comandante da Aeronáutica, Carlos Almeida Batista Júnior.

Servidor exonerado

Em meio à denúncia de irregularidades na propaganda eleitoral, o TSE exonerou ontem o servidor Alexandre Gomes Machado após desconfiar que ele estaria atrapalhando os trabalhos internos. Em nota, a Corte informou que o desligamento foi motivado por “indicações de reiteradas práticas de assédio moral, inclusive por motivação política”. O tribunal não detalha nenhum episódio e diz apenas que o caso será apurado.

Após ser informado sobre a sua demissão, na terça-feira, Machado procurou a Polícia Federal na madrugada de ontem para prestar um depoimento. Aos investigadores, ele alegou que perdeu o seu cargo após ter comunicado seus superiores sobre uma suposta falha na veiculação de inserções de Bolsonaro em rádios.

Após ser informado sobre a sua demissão, na terça-feira, Machado procurou a Polícia Federal na madrugada de ontem para prestar um depoimento. Aos investigadores, ele alegou que perdeu o seu cargo após ter comunicado seus superiores sobre uma suposta falha na veiculação de inserções de Bolsonaro em rádios.

No depoimento, Machado acusou seus superiores de terem cometido um ato de abuso de autoridade na exoneração e, por isso, pediu apuração do caso. O ex-servidor disse aos investigadores ter sido demitido 30 minutos após encaminhar à Secretaria-Geral da Presidência do TSE um e-mail enviado por uma rádio relatando não ter veiculado em sua programação inserções de Bolsonaro.

A Corte, contudo, nega que o agora ex-servidor tenha relatado “falhas de fiscalização e acompanhamento na veiculação de inserções de propaganda eleitoral gratuita”. Ainda segundo o TSE, “as alegações feitas pelo servidor em depoimento perante a Polícia Federal são falsas e criminosas e, igualmente, serão responsabilizadas”. Procurado, Machado não retornou os contatos da reportagem.