O Globo, n. 32588, 27/10/2022. Política, p. 13
Orçamento secreto inclui verbas para Renan, que contesta
Natália Portinari
Dimitrius Dantas
O orçamento secreto deste ano tem uma indicação, no Sistema de Indicação Orçamentária (Sindorc), de R$ 50 milhões em nome do senador Renan Calheiros (MDB-AL). Mas o parlamentar, de oposição ao governo federal e um dos maiores críticos desse mecanismo, nega ter feito o pedido, reitera que é contra o uso das emendas de relator e diz que irá apurar se a requisição veio de seu gabinete.
A indicação em questão é a 2340/2022, feita em 31 de março de 2022, para comprar equipamentos e materiais hospitalares com o Fundo Estadual de Saúde de Alagoas, estado do senador. O pedido não foi atendido até o momento, mas foi autorizado e enviado ao governo federal. Na época, o estado era governado por seu filho, Renan Filho, hoje senador eleito pelo MDB. Ele deixou o governo em abril.
A partir deste ano, após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) para dar transparência às emendas de relator, as indicações são feitas em um sistema informatizado, com o nome do “padrinho” do pedido de verbas. Nesse pedido, o usuário responsável é identificado como o senador Renan Calheiros. Os requerimentos são aprovados pelo relator antes de serem enviados ao governo.
— Não sei quem fez. Nunca autorizei e não autorizaria. Fui sempre uma voz contra o orçamento secreto. Votei contra, denunciei, assinei a CPI e somos aqui em Alagoas as maiores vítimas dele — disse Renan Calheiros ao GLOBO.
Procurado, o relator do Orçamento, Hugo Leal (PSD-RJ), que autorizou o pedido, disse “não saber do que se trata” e que quem tem informação sobre a divisão das emendas de relator entre senadores é o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
— Não tenho controle sobre as questões dos senadores — disse o relator.
Em nota, Pacheco, disse que “com a implantação do sistema informatizado de propostas orçamentárias da CMO (Comissão Mista do Orçamento), o cadastramento é feito pelo próprio parlamentar ou por usuário externo, sempre com apoio de algum parlamentar, seja individualmente ou por meio da respectiva liderança partidária. O cadastramento de proposta não significa empenho, tampouco pagamento”.
Recursos para aliados
O sistema usado por parlamentares para usarem emendas de relator funciona com base no cadastro do próprio senador e não é emprestado para líderes partidários, segundo técnicos ouvidos pelo GLOBO. O mais comum é que a senha seja usada por funcionários do próprio gabinete dos senadores.
Adversário político de Renan Calheiros, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), é o maior beneficiário das emendas de relator. Ele teve direito a indicar R$ 492 milhões nesse tipo de emenda nos últimos três anos.
Renan alega que o uso desse montante por Lira influenciou a eleição ao Legislativo em Alagoas e fez até com que políticos se desfiliassem de seu partido.
— Para você ter uma ideia, nosso grupo elegeu quatro deputados federais e os adversários, cinco. Só que dos cinco que elegeram, três eram, até o último dia da janela (para troca de partido), filiados ao MDB, e certamente foram levados pelo orçamento secreto — afirma Calheiros.
Só neste ano, o governo liberou 90% dos pedidos de Lira, o equivalente a R$ 120 milhões. No geral, foram atendidas 42% dos R$ 12 bilhões das indicações de senadores e deputados enviadas ao governo neste ano. Procurado, Arthur Lira não respondeu.
Ao contrário das emendas individuais, as de relator não são distribuídas igualmente entre os parlamentares e têm sido usadas pelo governo para aprovar pautas de seu interesse. O mecanismo foi criado na gestão Bolsonaro. A distribuição dos recursos também não ocorre de forma transparente. Só neste ano foram R$ 16,5 bilhões destinados prioritariamente para bases eleitorais de aliados do Palácio do Planalto.