Valor Econômico, v. 20, n. 4965, 21/03/2020. Brasil, p. A3
Pandemia pode amenizar crise Brasil-China
Renan Truffi
Lu Aiko Otta
Daniel Ritner
Assis Moreira
Os próximos dias vão mostrar se é o pragmatismo ou a histeria ideológica que
vai predominar nas relações atualmente tensas entre o Brasil e a China, avaliam
fontes que conhecem bem os dois grandes países emergentes.
Se
o pragmatismo prevalecer, Brasília e Pequim podem tentar superar a crise
justamente com algo positivo envolvendo ações contra o coronavirus: o envio de
material médico chinês para o Brasil.
Jair
Bolsonaro indicou que pode telefonar ao presidente chinês, Xi Jinping, para
falar sobre compra ou doação de material médico chinês. A expectativa é de
que isso ocorra nesta semana, até porque o Brasil necessita de equipamentos e
há uma corrida global por esses materiais.
Depois
de controlar o vírus em seu território, a China passou a ter superávit de
equipamentos médicos. Mas, como a demanda externa está aumentando, na medida em
que o vírus se propaga por diversos países, empresas chinesas
intensificaram a produção para ganhar mercados. A China é capaz de produzir
pelo menos 110 milhões de mascaras médicas por dia, por exemplo.
Pequim
já vem fornecendo material médico para Itália, Irã, Servia, Coreia do Sul,
Japão, Paquistão e União Europeia, em sua chamada “diplomacia do
coronavirus”.
De
acordo com certas fontes, se a histeria ideológica persistir, aumentará o risco
de Pequim engavetar protocolos e demandas de habilitação de produtos agrícolas
brasileiros Inclusive de novos produtos, como lácteos, atropelando resultados
de muitas viagens da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, a Pequim.
Em
todo caso, fontes consideraram “inacreditáveis” as declarações do filho do
presidente e deputado Eduardo Bolsonaro, que acusou a China de ter criado a
pandemia.
Ao
mesmo tempo, as fontes apontaram uma agressividade exagerada na reação do
embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming, que não ajuda a fechar
rapidamente as feridas. Aparentemente, embaixadores chineses têm uma nova
instrução para responder a críticas com especial ferocidade, como já ocorreu
também em rusgas com Suécia, Noruega, Holanda.
Goste-se
ou não do presidente Jair Bolsonaro, o Itamaraty precisa atuar. Na avaliação
praticamente consensual de diplomatas experientes, Yang cruzou uma linha
vermelha ao atacar o líder de um país com quem a China mantém uma relação ampla
e pragmática, principalmente do ponto de vista econômico e comercial.
Em
outra frente, também passou a existir uma “diplomacia federativa”, com Estados
brasileiros procurando diretamente a China para obter equipamentos médicos. Um
bom número de governadores brasileiros já visitou a China nos últimos meses, e
por isso passou a acionar a embaixada chinesa em Brasília sem passar pelo
governo federal.
Essa
aproximação acontece num momento de troca de farpas entre os governadores e
Bolsonaro, criticado por não compartilhar informações e decisões com os chefes
dos executivos estaduais.
A
primeira ofensiva por uma ajuda dos chineses partiu do Consórcio Nordeste,
formado pelos nove Estados que compõem a região. O grupo divulgou uma
carta, assinada pelo presidente do consórcio e governador da Bahia, Rui Costa
(PT-BA), na qual pede “apoio” e “colaboração” por meio do envio de materiais
médicos, insumos e equipamentos que possam ajudar nas ações de combate à
disseminação da doença.
“Em
especial, temos necessidade de leitos de UTI e respiradores, pois
as projeções de enfermos indicam que haverá um déficit deste equipamento
no momento do pico da epidemia”, diz o texto. Rui Costa é costumeiramente
criticado por Bolsonaro por ser do PT. No documento, entregue ao embaixador
Yang Wanming, o governador baiano também elogia o governo chinês pela forma
como o parceiro comercial enfrentou o problema.
O
caminho foi o mesmo adotado pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha
(MDB-DF). Além da doação de suprimentos e equipamentos médicos, Ibaneis pediu
ainda a “prestação de assistência de qualquer natureza”, mas “especialmente”
orientações de combate à doença.