Valor Econômico, v. 20, n. 4967, 23/03/2020. Brasil

Pandemia pode amenizar crise Brasil-China

Renan Truffi
Lu Aiko Otta
Daniel Ritner
Assis Moreira 


Os próximos dias vão mostrar se é o pragmatismo ou a histeria ideológica que vai predominar nas relações atualmente tensas entre o Brasil e a China, avaliam fontes que conhecem bem os dois grandes países emergentes.

Se o pragmatismo prevalecer, Brasília e Pequim podem tentar superar a crise justamente com algo positivo envolvendo ações contra o coronavirus: o envio de material médico chinês para o Brasil.

Jair Bolsonaro indicou que pode telefonar ao presidente chinês, Xi Jinping, para falar sobre compra ou doação de material médico chinês. A expectativa é de que isso ocorra nesta semana, até porque o Brasil necessita de equipamentos e há uma corrida global por esses materiais.

Depois de controlar o vírus em seu território, a China passou a ter superávit de equipamentos médicos. Mas, como a demanda externa está aumentando, na medida em que o vírus se propaga por diversos países, empresas chinesas intensificaram a produção para ganhar mercados. A China é capaz de produzir pelo menos 110 milhões de mascaras médicas por dia, por exemplo.

Pequim já vem fornecendo material médico para Itália, Irã, Servia, Coreia do Sul, Japão, Paquistão e União Europeia, em sua chamada “diplomacia do coronavirus”.

De acordo com certas fontes, se a histeria ideológica persistir, aumentará o risco de Pequim engavetar protocolos e demandas de habilitação de produtos agrícolas brasileiros Inclusive de novos produtos, como lácteos, atropelando resultados de muitas viagens da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, a Pequim.

Em todo caso, fontes consideraram “inacreditáveis” as declarações do filho do presidente e deputado Eduardo Bolsonaro, que acusou a China de ter criado a pandemia.

Ao mesmo tempo, as fontes apontaram uma agressividade exagerada na reação do embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming, que não ajuda a fechar rapidamente as feridas. Aparentemente, embaixadores chineses têm uma nova instrução para responder a críticas com especial ferocidade, como já ocorreu também em rusgas com Suécia, Noruega, Holanda.

Goste-se ou não do presidente Jair Bolsonaro, o Itamaraty precisa atuar. Na avaliação praticamente consensual de diplomatas experientes, Yang cruzou uma linha vermelha ao atacar o líder de um país com quem a China mantém uma relação ampla e pragmática, principalmente do ponto de vista econômico e comercial.

Em outra frente, também passou a existir uma “diplomacia federativa”, com Estados brasileiros procurando diretamente a China para obter equipamentos médicos. Um bom número de governadores brasileiros já visitou a China nos últimos meses, e por isso passou a acionar a embaixada chinesa em Brasília sem passar pelo governo federal.

Essa aproximação acontece num momento de troca de farpas entre os governadores e Bolsonaro, criticado por não compartilhar informações e decisões com os chefes dos executivos estaduais.

A primeira ofensiva por uma ajuda dos chineses partiu do Consórcio Nordeste, formado pelos nove Estados que compõem a região. O grupo divulgou uma carta, assinada pelo presidente do consórcio e governador da Bahia, Rui Costa (PT-BA), na qual pede “apoio” e “colaboração” por meio do envio de materiais médicos, insumos e equipamentos que possam ajudar nas ações de combate à disseminação da doença.

“Em especial, temos necessidade de leitos de UTI e respiradores, pois as projeções de enfermos indicam que haverá um déficit deste equipamento no momento do pico da epidemia”, diz o texto. Rui Costa é costumeiramente criticado por Bolsonaro por ser do PT. No documento, entregue ao embaixador Yang Wanming, o governador baiano também elogia o governo chinês pela forma como o parceiro comercial enfrentou o problema.

O caminho foi o mesmo adotado pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB-DF). Além da doação de suprimentos e equipamentos médicos, Ibaneis pediu ainda a “prestação de assistência de qualquer natureza”, mas “especialmente” orientações de combate à doença.