Correio Braziliense, n. 21798, 21/11/2022. Política, p. 3

O maestro da transição 

Vinicius Doria


Depois de praticamente duas semanas entre indicação de nomes, montagem dos grupos temáticos e o início efetivo dos trabalhos no Centro Cultural Banco do Brasil, o governo de transição começa a engrenar. Cada grupo tem autonomia para organizar seu plano de trabalho, mas todos os 31 núcleos já anunciados se reportam a uma coordenação central. Nesse comando, se destaca Floriano Pesaro, nome da confiança do coordenador-geral da transição, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB).  

O ex-deputado federal é o coordenador-executivo, uma espécie de super-gerente do governo de transição. Coube a ele organizar toda a estrutura e as rotinas de trabalho do gabinete provisório, além de cuidar da burocracia dos trabalhos, como distribuição dos recursos financeiros e humanos entre as equipes setoriais.  

Discreto, não dá entrevistas nem disputa espaço com os medalhões da transição. Nos anúncios oficiais, jamais ocupa posição central. Pesaro posta-se ao lado das demais autoridades, subsidiando com números e informações os principais alvos da imprensa. E não adianta cercá-lo atrás de alguma notícia mais quente. Educado, se desvencilha com facilidade dos jornalistas que cobrem dos trabalhos do gabinete transitório.  

Mas Pesaro abriu uma exceção ao Correio para falar sobre o assunto que o ocupa 24 horas: a organização dos trabalhos do governo de transição. Sabe que corre contra o tempo para entregar no prazo — antes da posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 1º de janeiro — o relatório final. Para isso, coordena 30 grupos e quase 300 pessoas. 

Para que esse diagnóstico fique pronto até o fim do ano, os membros de cada setorial passarão as próximas semanas examinando planilhas, relatórios, execuções orçamentárias, quadro de pessoal, contratos e situação das políticas públicas em andamento para apontar os problemas mais urgentes e que demandam ações imediatas do novo governo. Um exemplo da importância desse mapeamento surgiu, sexta-feira passada, com a suspensão da emissão de passaportes pela Polícia Federal (PF) por falta de dinheiro. Em outras áreas, o risco de faltar recursos para serviços essenciais é grande, mas a equipe de Pesaro precisa saber a dimensão do problema. Com base no projeto de Orçamento para 2023, já se sabe que políticas públicas podem ser paralisadas.  

Metas e prazos O governo de transição definiu metas e prazos para os setoriais. Até o dia 30, cada grupo oferecerá à coordenação geral um relatório resumido do diagnóstico de cada área, abordando, principalmente, os alertas dados pelo Tribunal de Contas da União e outros órgãos de fiscalização acerca de situações de risco potencial. Também deverão listar a estrutura atual de cada órgão.  

Uma das missões é identificar todos os atos normativos em vigor e apontar quais podem ser revogados. Outro desafio é identificar as “emergências orçamentárias” — políticas públicas que correm o risco de descontinuidade caso não haja alterações no Orçamento para mantê-las em andamento.  

Com essas informações, os grupos temáticos terão até 11 de dezembro para encaminhar um sumário executivo de tudo que foi mapeado, com avaliação “dos programas e ações que foram implementados nos últimos anos” e, também, do que foi feito nos governos petistas (entre 2002 e 2016), mas que foram descontinuados, como o Minha Casa Minha Vida. Nessa fase, os relatórios devem indicar “contratos, termos de colaboração e de parcerias que vencem até 30 de abril de 2023 e que “impliquem paralisação de serviços”. Após a consolidação das informações, os relatórios setoriais serão encaminhados para os novos ministros, na medida em que os nomes sejam anunciados por Lula. Nessa entrega, já deverão constar os “atos de iniciativa do presidente eleito a serem editados imediatamente após a posse”. 

 

Três perguntas para  

Floriano Pesaro, coordenador-geral dos setoriais do governo eleito  

Para que serve a transição? A transição é para que a gente possa fazer um bom diagnóstico do estado da arte do atual governo, a formatação deste governo, as questões orçamentárias, financeiras, administrativas, organizacionais, e encaixar a atual administração no futuro governo. É fazer esse encaixe do modelo que se pretende no futuro, defendido pelo presidente Lula, baseado nesse ponto de partida, que é o estado da arte do atual governo. O diagnóstico precisa ser profundo, especialmente nas questões orçamentárias, financeiras e organizacionais de programas, visando um início melhor do futuro governo, com mais informação, mais estruturação, para que a gente possa começar em um bom ritmo os 100 primeiros dias (do governo Lula).  

Esse trabalho vai preparar uma espécie de plano inicial de governo? Não. O plano de governo já foi apresentado na campanha eleitoral, foi vitorioso. Não se trata disso. Baseado nas informações do programa de governo (diretrizes da chapa Lula-Alckmin registradas no Tribunal Superior Eleitoral), vamos encaixar o futuro governo na estrutura atual. Vamos ter que mexer nessa estrutura (do governo Bolsonaro) e, para isso, é preciso conhecê-la. Por isso, a importância do diagnóstico.  

Esse primeiro olhar sobre o governo Bolsonaro preocupa? O futuro governo será bem diferente do atual, do ponto de vista organizacional e, também, das prioridades: acima de tudo, haverá o fortalecimento das instituições públicas e toda essa questão das prioridades sociais. O que estamos avaliando, agora, é como fazer esse encaixe. Para isso, precisamos saber exatamente onde estamos pisando. E a transição tem exatamente esse papel.