Valor Econômico, v. 20, n. 4965, 21/03/2020. Brasil
Governo poderá comprar até de fornecedor inidôneo
Lu Aiko Otta
No enfrentamento da pandemia da covid-19, os governos federal, estaduais e
municipais poderão comprar bens e serviços necessários às ações de saúde sem
licitação e em condições excepcionais, até mesmo de fornecedores declarados
inidôneos ou com pendências fiscais. A regra está na Medida Provisória
(MP) 926, editada na noite de sexta-feira.
O
texto, que simplifica o processo especificamente para o combate ao coronavírus,
diz que, “excepcionalmente, será possível a contratação de fornecedora de bens,
serviços e insumos de empresas que estejam com inidoneidade declarada com o
direito de participar de licitação ou contratar com o Poder Público
suspenso, quando se tratar, comprovadamente, de única fornecedora do bem ou
serviço a ser adquirido.”
Uma
empresa pode declarada inidônea quando deixa de cumprir o contrato de
fornecimento com o governo - quando não entrega a mercadoria, por exemplo.
“É
um dispositivo excepcional”, disse ao Valor o secretário de Gestão do
Ministério da Economia, Cristiano Heckert. A MP também permite comprar de
fornecedores que se encontrem em situação irregular com o Fisco. Essas
formalidades foram suspensas temporariamente - nesse caso específico, para dar
mais velocidade ao processo de aquisição.
O
secretário disse que, para determinar se um fornecedor inidôneo é, de fato, o
único disponível, será levada em conta “a realidade concreta” do produto
ou serviço naquela localidade. “Estamos falando de uma situação de crise”,
afirmou. “Se pressupõe boa-fé da autoridade e é preciso dar o benefício da
dúvida ao gestor.”
A
inexistência de outros fornecedores, disse ele, será comprovada pelos meios
disponíveis. “No limite, uma autodeclaração”. As compras não estarão
livres de verificação pelos órgãos de controle. Mas as fiscalizações levarão em
conta o momento excepcional em que foram feitas.
“Parece-me
que a MP buscou já disciplinar um eventual conflito entre a ‘moralidade de se
contratar alguém inidôneo’ versus ‘necessidade pública pelo bem ou serviço
a ser contratado’”, disse o advogado Luís Felipe Valerim Pinheiro, professor de
Direito Administrativo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e sócio do escritório
XVV - Xavier Vasconcelos Valerim Corrêa De Paula. “A regra prestigia a segunda
situação.”
O
ponto central da aplicação será a fundamentação que o gestor terá
de apresentar, caso a caso, avalia. Ele diz que a MP coloca duas
excepcionalidades para que essa compra ocorra: a pandemia e o fato de ser
fornecedor único. O segundo caso, por si, já dispensaria a licitação.
“É
um risco necessário”, comentou o Murilo Jacoby, diretor jurídico do escritório
Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados, um especialista em
licitações públicas. “Acho que foi uma boa pedida.”
Ele
explicou que MP 926 complementa a Lei 13.979, editada em fevereiro, que já
tratou de medidas de combate ao covid-19 e dispensou licitação em diversos
casos. A MP inova ao simplificar processos - por exemplo, dispensando a
comprovação de emergência e a apresentação de certidões para a contratação.
Outras medidas são a dispensa de estudo preliminar para a contratação de
bens e serviços comuns. E o corte, à metade, dos prazos nas compras pela
modalidade pregão.
Essas
regras são específicas para a compra de produtos e serviços usados no combate à
pandemia. Os contratos terão duração de seis meses, mas poderão ser
sucessivamente prorrogados enquanto houver necessidade.