Valor Econômico, v. 20, n. 4965, 21/03/2020. Brasil, p. A5
Tarifa social poderá bancar até 100% das contas de luz na crise
Daniel Rittner
A tarifa social de energia elétrica poderá ter o valor da subvenção ampliado
para 100% das contas de luz de famílias de baixa renda, com consumo mensal de
até 220 kilowatts-hora (kWh), durante três meses. O benefício, discutido entre
autoridades do setor e representantes do Congresso
Nacional,
seria uma forma de aliviar temporariamente o peso dos serviços públicos no
bolso dos mais pobres em um momento de pico do novo coronavírus.
Uma
minuta de medida provisória já foi discutida pelo senador Marcos Rogério
(DEM-RO), presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado, e o ministro de
Minas e Energia, Bento Albuquerque, que fazia parte da comitiva presidencial
aos Estados Unidos e foi infectado pelo vírus. Ele tem passado quarentena em
sua casa no Rio de Janeiro e participado de reuniões por videoconferência.
Têm
direito à tarifa social famílias inscritas no Cadastro Único do Ministério da
Cidadania ou pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) do
Ministério da Cidadania. Hoje o desconto sobre a tarifa “cheia” de cada
distribuidora de energia varia conforme o nível de consumo da residência: 65%
(consumo de até 30 kWh por mês), 40% (31-100 kWh) e 10% (101-220 kWh).
Pelo
texto da minuta que está sendo discutida, o desconto subiria a 100% para todas
essas faixas durante três meses. O impacto é estimado em cerca de R$ 1 bilhão
no período. Não haveria impacto sobre as finanças públicas.
As
subvenções da tarifa social são financiadas pela Conta de Desenvolvimento
Energético (CDE), o “superfundo” que banca subsídios do setor elétrico, cujo
valor é rateado por todos os consumidores do sistema - com peso maior nas
regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. O orçamento da CDE aprovado para 2020 é de
R$ 21,9 bilhões e o valor já destinado à tarifa social chega a R$ 2,66 bilhões.
Para
bancar o acréscimo no auge da crise, seriam redirecionados recursos das
próprias distribuidoras hoje usados em projetos de pesquisa e desenvolvimento
(P&D) no setor e em ações de eficiência energética, de modo a evitar um
aumento da CDE.
De
acordo com a Lei 9.991, de 2000, as concessionárias do setor elétrico - de
geração, transmissão e distribuição - precisam destinar até 1% de suas receitas
operacionais líquidos em iniciativas de P&D e eficiência. A ideia é separar
parte desse montante para arcar com o aumento temporário da tarifa social. Pelo
texto, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) criaria uma
conta específica para gerir os recursos durante esse período.
“No
momento em que os brasileiros precisam ficar em isolamento domiciliar, o
consumo de energia aumenta, ao mesmo tempo em que a renda cai. Precisamos criar
mecanismos para aliviar a conta do consumidor mais carente”, afirma Marcos
Rogério.
“Todas
as empresas do setor elétrico são obrigadas a realizar investimentos em
P&D. Portanto, o dinheiro do fundo poderia ser utilizado para custear as
tarifas de quem consome até 220 kWh [por mês]”, acrescenta o senador.
A
edição de uma MP com essa finalidade tem o apoio da Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel), mas ela não define políticas públicas. O Ministério de Minas
e Energia ainda não tem uma definição sobre a medida.
O
presidente da Abradee (associação das distribuidoras), Marcos
Aurélio Madureira, diz que, na semana passada, as empresas se dedicaram
prioritariamente à reorganização de suas atividades - call centers, fechamento
das agências de atendimento presencial, equipes de manutenção das redes em
campo. A partir desta semana, segundo ele, as distribuidoras vão discutir mais
fortemente medidas regulatórias com o ministério e a Aneel, incluindo uma
eventual MP. “Estamos buscando interagir [com as autoridades] para ver a forma
mais adequada de resolver isso”, afirma.